Bom promessa é dívida!
Minha esposa é uma entusiasta da história culinária e vem me cobrando um post a respeito dessa importante característica humana a um bom tempo. Então resolvi fazer uma ode a mesa ao mesmo tempo em que tento lhes mostrar porque a culinária é sem dúvida uma das artes mais exóticas (E delíciosas!) que a humanidade já criou.
Então, caneta e bloquinho nas mãos! Vamos a receita!
Ingredientes, receitas e culturas.
Tudo começa por eles é claro. O que seria do bolo sem farinha?
Os primeiros ingredientes claro, foram fornecidos aos nossos antepassados pela natureza. Com certeza no começo pouco importava o gosto ou a harmonia, afinal quem tem fome come o que tiver na frente. Mas conforme os lobos e leões foram ficando distantes nossos antepassados puderam se dedicar a entender porque alguns alimentos eram melhores se misturados com aqueles outros do que com aqueles acolá. E voalá, inventaram a cozinha.
É complicado falar numa "primeira civilização", pois tem-se a idéia errônea de acreditar que sendo assim a civilização irradiou para todo o resto a partir dela. Mas credita-se aos Sumérios, povo que habitava a Mesopotâmia (Que hoje atende pelo singelo nome de Iraque, acretido que dispense apresentações) uma das principais "invenções" do mundo antigo. Que marca a passagem da "pré-história" para a Antiguidade, ou seja, a Escrita. Embora os sumérios não tivessem uma escrita elaborada como a nossa (Eles não escreveriam blogs! Com risquinhos) ela os ajudou a se organizar melhor. Os sumérios já bebiam cerveja e já faziam queijo a aproximadamente 3000 a.C. Há inclusive algumas receitas do que eles costumavam comer, como a Torta mista abaixo:
Torta Mista
Ingredientes: Farinha, água, leite ou cerveja, azeite, frutas secas (passas, figos, maçãs, pessegos) e pinhões, condimentos aromáticos (cominho e mostarda) mel e alho.
A torta deve ser assada no forno e os frutos secos devem ser umedecidos em um tipo de licor qualquer (de preferência de arroz). A qualquer momento que o cozinheiro quiser pode acrescentar o mel, como bem entender (Eles não faziam questão de elaborar receitas pré programadas, até porque não tinham como fazer isso, não existia alfabeto na época e a escrita era precária).
Isso ai claro era acompanhado de muita cerveja (Quente!) e muita carne de carneiro, e principalmente, pescado. Afinal, os sumérios viviam no encontro de dois importantes rios, os famosos Tigre e Eufrates.
Ok! Ok. O povo há 5000 anos manjava de fazer torta e cerveja quente.
Bom, um pouco mais que isso.
Minha esposa adora pães. Nunca vi alguém gostar tanto de pão como ela. Bom, o pão foi inventado por outra civilização da antiguidade. Os famosos Egípcios. E não só os pães, mas a Pizza também. Alias, para quem não sabe, a palavra Pizza vem de Piscea. Que em grego antigo significava forno antigo, mas que também era o nome do pão que os povos que habitavam o crescente fértil faziam, muito parecido com o pão sírio de hoje.
E já que estamos falando de culinária mediterrânea, como deixar de lado os Gregos?
A culinária grega ao contrário do que pode se pensar, por ser um povo voltado para o mar, não é baseada em frutos do mar nem pescado. Em sua maioria os pratos são basicamente de alimentos cultivados em terra e o azeite sem dúvida o ingrediente mais importante. E claro, estamos falando de gregos e portanto há um mito para explicar porque a Oliveira é tão importante para os helenos.
Arroz à Grega
Reza a lenda que os fundadores de uma cidade, que viria a ser a mais importante da Grécia Antiga, precisavam de um deus para protegê-los, mas não haviam se decidido a quem iriam dedicar suas oferendas. No final dois Deuses se apresentaram aos mortais na disputa pela primazia da cidade: Poseidon e Athena. Os dois deveriam dar um presente aos mortais, um que fosse muito útil a eles e que os convencesse a aceitá-lo como seu protetor. Poseidon, seguro de si, pegou seu tridente e atirou-o no solo fazendo jorrar uma vigorosa fonte de água doce, um bem muito precioso. Os mortais ficaram maravilhados e alguns já declaravam a vitória, então Atena se aproximou. Ela ajoelhou-se e plantou uma semente, que graças a seu poder divino nasceceu, cresceu e transformou-se numa árvore cheia de pequenos frutos carnudos e saborosos. Então explicou aos mortais que dessa árvore eles poderiam tirar não só seu sustento, mas também o óleo e por ser uma árvore poderiam reproduzí-la o quanto quisessem. Enfim, vitória incontestável. Furioso por ser derrotado por sua sobrinha, Poseidon destruiu a fonte e causou um maremoto tentando destruir a cidade. Mas ela pertencia a Athena agora e tão logo percebeu que o tio iria fazer correu para o papai Zeus e pediu ajuda. Zeus jogou panos quentes, Poseidon saiu enfurecido e a cidade tornou-se Athenas.
Mas não são só os ocidentais que sabiam cozinhar coisas gostosas.
Hoje é um fenomeno mundial, mas a culinária Chinesa tem Milênios de existência. Por ser um país enorme desde sempre e como sempre muito tradicional, por conta da característica chinesa de fazer tudo conforme a tradição a culinária é dividida em 4 grandes escolas de cozinha. Essa divisão é levada tão a sério quanto as divisões de artes marciais dos monges Shaolin (norte e Sul) As cozinhas chinesas são a do norte, cujo prato mais famoso é o Pato Lacado(Tradicionalmente meticulosa com os ingredientes e carregada no sal); a do sul é exótica, famosa pelos cozidos com carne de cobra e pela alta temperatura dos cozimentos. O prato mais famoso é o frango zhuzhou de Foshan; a do oeste tradicionalmente picante, prato mais famoso é o queijo de soja com pimentões; e finalmente a do leste, a mais nova delas, basicamente voltada para o mar, cujo principal prato são as ovas de carangueijo com barbatans de tubarão.
Por ser um país fechado e tradicional a China conseguiu manter sua culinária bastante peculiar. E como não poderia deixar de ser, vou deixar aqui a receita do mundialmente famoso Pato de Pequim, para quem quiser tentar.
Pato de Pequim
Ingredientes: 1 3/4 kg de pato, 1 colher(es) (sopa) de mel, 3 colher(es) (sopa) de molho de soja, 1 colher(es) (sopa) de óleo de gergelim, quanto baste de colorau e 2 colher(es) (sopa) de água.
Coloque o pato em um escorredor de macarrão na pia. Despeje água fervendo por cima e repita o procedimento por mais 2 vezes. Pendure o pato de um dia para outro em lugar arejado e frio ou coloque sobre a grade da geladeira. Na manhã seguinte, em uma tigela pequena, misture o mel, o shoyu, o óleo de gergelim e o corante. Coloque o pato sobre uma grade em uma assadeira. Pincele por igual com a mistura de mel, reservando 1 colher (sopa), e deixe por pelo menos 1 hora. Pré-aqueça o forno a 200° C. Junte a água à mistura de mel restante e despeje através da cavidade do pato. Com espetos de carne ou palitos de madeira, feche a abertura. Asse o pato por 1 hora e meia, até que, espetando com um palito na junção da coxa, escorra um líquido claro. Retire o pato do forno e deixe em lugar aquecido por 10 minutos antes de trinchá-lo.
Sushi
Outro país tradicionalmente famoso por sua culinária exótica e peculiar é o Japão. Pode-se pensar, erroneamente, que a culinária japonesa é saudável porque eles viviam numa ilha e portanto não tinham espaço suficiente para criar animais de grande porte como bois e búfalos para alimentar a população, restando portanto buscar a comida no mar. Isso não é totalmente verdade. Na realidade a culinária japonesa se desenvolveu da forma como é por conta da imposição religiosa. Num passado remoto um dos governantes japoneses se converteu ao budismo, que pregava uma forma restrita de alimentação, excluindo a carne animal do cardápio de seus fieis. Assim o povo teve de se adequar àquela nova normal social e com isso tiveram de ser criativos para buscar sua nutrição. Quando o tempo passou e os antigos preceitos foram retomados a cultura culinária do arquipélago já havia mudado, o povo se acostumara com aquele tipo de comida que casava bem com a situação geográfica em que viviam e ai nasceu a exótica e saudável culinária japonesa. Por ser um arquipélago bastante fechado, o Japão preservou sua cultura tanto social quanto culinária bem distante das influências de outros países mais poderosos, como a China por exemplo o que criou nos japoneses um forte sentimento de nacionalidade ligado a essas peculiaridades, que vai desde a forma como tratam a comida até a forma ritual de comer.
E na Europa?
Bem a Europa como sabemos é um caldeirão de civilizações. Uma encruzilhada, assim como o Oriente Médio. Portanto a culinária Européia foi influenciada por diversas tradições. Da mediterrânea, importada diretamente da Grécia, que por sua vez era porta de entrada das cozinhas e ingredientes de todo o mundo (Inclusive da China, embora o contato entre eles se desse através dos povos que viviam entre eles e nunca diretamente). Basicamente, a culinária européia continental demorou a atingir o patamar de requinte que consideramos hoje. Na idade média nobres comiam basicamenta carne e plebeus toda a sorte de coisas que pudessem plantar. Isso normalmente fazia dos plebeus pessoas mais saudáveis, embora as condições de vida que levavam não eram nem de longe propícias para essa saúde se demonstrar em seu pleno vigor. Os povos que destruíram o império romano trouxeram suas próprias receitas e costumes, agregaram ao jeito romano de ser e construíram o que viria a ser no futuro o jeito europeu de cozinhar. Aqui cabe algumas ressalvas.
Espanha, Portugal e a península Itálica sofreram uma massiva influência árabe em suas culinárias. Que por consequência eram trazidas do oriente pelo vasto território que os muçulmanos dominava na época. Na Gália Germania, Britania e no norte da Europa predominavam os costumes miscigenados de bárbaros e romanos. E é na Gália, que mudou de nome por conta dos bárbaros que a tomaram para si (os Francos, portanto a França) que a culinária se tornará uma arte com A maíusculo. Mas isso só no séculos XVIII e XIX.
Salada Maia
Outro ingrediente que impulsionou a culinária mundial foi o encontro das Américas por Colombo. De longe a maior contribuição que os povos nativo americanos deram ao resto do mundo (Com excessão das Américas é claro) foi sua culinária e os ingredientes exóticos que só existiam por aqui. Tomates, Abacates, Abacaxis, Batatas, Milho, Canela, Maracujás, etc. Os europeus não sabiam o que era milho antes de 1492. Tomates? nem imaginavam o que poderia ser. E batata, a grande salvadora da europa nos tempos de fome? Devem aos peruanos.
Pode-se seguramente afirmar que esse período marcou a primeira globalização da humanidade. A Globalização Gastronômica. Em pouco mais de um século milho era plantado na África, Tomates na Itália e Arroz nas Américas. Milhares de receitas surgiram e se adaptaram ao longo do mundo todo. E na Europa fundiram-se dois ingredientes que dariam luz ao doce mais delicioso do mundo. O Chocolate!
Hmmmm!!!!
A bem da verdade Chocolate (Xocoatl, em nahuatl) foi invenção dos povos que habitavam o México e a América Central antes da chegada dos Espanhóis. Mas essa iguaria era uma bebida ritual e amarga em nada parecida com o chocolate que conhecemos hoje. Devemos a gloria dessa delícia aos mosteiros espanhóis que combinaram a bebida amarga ao açúcar (Vindo das canas de açúcar originárias da Índia!) e criaram o chocolate doce que conhecemos hoje. Com o café foi a mesma coisa, embora este tenha vindo da África (Na Etiópia mais precisamente) e que também foi combinado ao açúcar indiano para produzir a bebida mais apreciada dos trabalhadores compulsivos!
Ratatouille
Mas foi na França de Louis XIV que a gastronomia deu um salto de simples cozinha para arte do prazer e do pecado. O Rei Sol, que afirmava ser o próprio estado foi um dos principais entusiastas do desenvolvimento de uma culinária sofisticada e exclusiva. Suas sementes seriam colhidas no século XVIII quando foi inaugurado o primeiro Restaurante Moderno do mundo. Os Parisienses inventariam a idéia de comer socialmente por prazer de estar em um lugar apenas para aquilo: se divertir comendo.
A culinária Francesa dispensa elogios e comentários, pois foi a pioneira no ramo e abriu as portas para o resto da culinária mundial apresentar suas delícias. Antes das guerras, quando os países procuravam afirmar sua identidade através das diferenças, surgiram as culinárias nacionais e os pratos típicos de cada país, como a afirmativa de que a Feijoada é Brasileiríssima (o que é uma tremenda mentira é um prato típico portugues, provavelmente inspirado no cassoulet frances, e que existe em todos os países colonizados por portugueses. A diferença é que só no Brasil se faz feijoada com feijão preto, o que garante um sabor único ao prato).
Hehehe...
Enfim, a culinária requintada começou a dar lugar ao estilo de vida agitado e surgiram os famigerados fast foods americanos. Embora tentem combinar elementos saborosos num estilo industrial e imediatista, típico de nosso tempo, essas redes tiram aquilo que desde tempos imemoriais a humanidade religiosamente repetia com prazer: O deleite de aproveitar a comida com os entes queridos, sem se preocupar com o tempo ou as angústias, deixando literalmente os leões e lobos pra lá.
Fontes:
http://www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/mulher-culinaria-francesa/culinaria-francesa-1.php
http://cybercook.terra.com.br/receita-de-pato-de-pequim.html?codigo=12785
ROCHA, J. M. de S., Civilização e Culinária: Mesopotâmia (Antiga Pérsia e Região atual do Iraque)
Eu estava mesmo planejando essa postagem para o futuro. Mas como alguns amigos pediram, resolvi antecipar. Temas históricos normalmente são figura carimbada no cinema e nas séries televisivas. Uma pena que nem sempre essas adaptações conseguem captar o espírito da história que as inspirou. Em outros casos contudo, vê-se uma adaptação que extrapola a realidade, tornado aquela passagem histórica, no que define o gênero: Épica.
Não pretendo tratar de todos, porque isso seria simplesmente impossível. Há tantas séries e filmes épicos que daria para passar o ano inteiro só assistindo esse gênero e ainda assim, acredito, não seria possível ver todos. Vou tratar dos que vi e me marcaram profundamente a ponto de lembrar de cabeça.
Então vamos tentar seguir uma trajetória temporal.
Do fogo a luxuria
Não há melhor filme que retrate a pré-história do que "Quest for Fire" (Guerra do Fogo, no Brasil. Alias, infelizmente em nosso país tem-se o hábito de destruír o título e o sentido do título dos filmes épicos). É um ótimo filme que trata da difícil vida de homídeos, provavelmente Hilderbengensis (?!?!?!?!) ou Cro Magnon, que num ataque de Homo Erectus, perdem o seu bem mais precioso: O fogo. Sem o fogo, o grupo não tem como se defender do ambiente hostil da natureza de nosso planeta assassino e por isso eles decidem mandar três carinhas atrás do bem precioso (Porque eles não sabem fazer). Uma senhora aula de pré história. Recomendo sem ressalvas. Ainda mais pelo fato de que o filme nem precisa de legendas, porque não há diálogos, eles não sabem falar! É ótimo!
No que tange a antiguidade, não da para deixar de falar de algumas produções . Uma que considero de um primor histórico fantástico e as outras, bem nem tanto. Vamos começar pelas "outras".
Isso já foi motivo de discussão séria numa mesa de bar entre eu e um amigo, pois ele que é entendido de cinema me disse algo que realmente é verdade: "O cinema não pode ser históricamente correto, não pode nem deve. Pois é arte afinal, não ciência". Bom não foi exatamente isso que ele disse, mas foi o que entendi. De qualquer modo, vou descer a lenha mesmo assim. (Hehehe).
O filme em questão é 300. Na realidade o filme não é baseado na verídica batalha das Thermophilas, entre o exército persa do rei Xerxes e do grupo de soldados obstinados do grego Leonidas. O filme é baseado na História em Quadrinhos do Frank Miller, que por ventura é baseado na história original. Acontece que querendo ou não, a associação é inevitável. Especialmente para quem conhece o mito dos 300 de Esparta. E tudo naquele filme está fora do lugar. Mas, como disse meu amigo, ele não se propõe a contar a história da batalha e sim da HQ. Então é desculpavel. O que não é desculpavel é Alexandre. Alexandre o Grande, recebeu esse título não só poque era um conquistador de impérios nato, mas porque era um homem brilhante para seu tempo. Ele, com um grupelho de bárbaros e mercenários conquistou o maior império de seu tempo e estendeu seus domínios até o que hoje é a Índia espalhando o helenismo (forma de pensar e viver dos gregos) para boa parte do mundo e fincando de vez o modo de vida ocidental nas raízes européias. Mas o que vemos no filme? Uma superexposição da sexualidade do homem, como se aquilo fosse o mais importante a se tratar. Homosexualidade na antiguidade não era tabu, nem pecado e muito menos mal visto. O sexo só passa a ter contornos de puritanismo após a Idade Média. Portanto, focar a imagem de uma das figuras mais importantes da história do ocidente a de um homosexual ressentido com a mãe é definitivamente uma idéia infeliz. Sem contar a lastimável atuação dos atores no filme. Collin Farrel como Alexandre é tão empolgante quanto a cena das espaçonaves se acoplando em 2001 uma Odisséia no Espaço. Ou seja, da sono. Para salvar o período eis que surge o primor em forma de representação, a série Rome (Roma), da HBO. Utilizando uma abordagem de ficção histórica contemporânea para tratar de períodos importantes (onde normalmente os personagens principais não são grandes figuras históricas, mas que convivem com elas de um jeito ou de outro), nos faz mergulhar no mundo antigo com todas as suas vísceras expostas. Na clara intenção de chocar nossa careta sociedade, que se acha super liberal. Embora as atuações não sejam primorosas, o ambiente e as situações conseguem transpirar a antiguidade em sua face mais pura. Ainda que, com algumas passagens forçosamente jocosas que nos fazem, amar ou odiar personagens, tomando nossos valores como os corretos. Como por exemplo a última cena de Niobe, mulher de Lucius Vorenus. Rei Arthur, também é um filme interessante, pois trata do conhecido e celebrado possível Arthur histórico e não o lendário Rei dos cavaleiros da Távola Redonda. Mostra uma Britania no início da invasão Saxã e da luta de colonos romanos e galeses contra o terrível invasor que invariavelmente os subjulgará e dará origem ao povo inglês. A Guinevere desse filme está mais para Boudica do que para a rainha de Arthur e amante de Lancelot.
Já chegando ao fim desse período histórico, sugiro um muito pouco conhecido, contudo, muito interessante filme chamado Átila, o Huno. Átila para quem não sabe, também conhecido por Espada de Marte ou Flagedo de Deus, foi o bárbaro que liderou um exército invaso e que por pouco não obliterou Roma do mapa. Ele foi derrotado pelo, possivelmente, último grande general Romano. É um filme muito bem feito, embora bastante simples e que mostra bem a decadência que o império estava em seus últmos dias.
"Das Cruzadas a América"
Ah o medievo. Todo mundo já ouviu falar mal dele. Querendo ou não é o definidor de nossa sociedade e temos que aceitar isso. A Idade Média nos moldou. Somos o seu retrato com alguns retoques e nada mais. E ninguém consegue retratar tão bem esse período quanto Umberto Eco. O Nome da Rosa é o filme definidor da Idade Média, um período obscuro e complicado, mas ao mesmo tempo brilhante e revelador para aqueles que aprendem a enxergar na penúmbra. Nem preciso dizer que a peça fundamental para o sucesso desse filme é a brilhante interpretação de Sean Conery. Outro filme interessante é Kingdon of Heaven (Cruzada). Não pela acuidade histórica, porque não há nenhuma.Ou pelas intepretações memoráveis (Com excessão absoluta de Ghassan Massoud, cuja intepretação magistral de Saladin me encheu os olhos de lágrimas nas cenas finais), mas pela capacidade de retratar com certa fidelidade a fútil luta por aquele pedaço infeliz de terra que nada mais é do que um ideal. Robin Hood, o antigo (Aquele com Kevin Costner e Morgan Freeman) também é interessante, pela escolha de mostrar uma idade média dinâmica e não um periodo de estagnação, além de ser um filme engraçado.
Os diversos filmes sobre Joana D'arc também são interessantes. Embora tenham sempre a tendência de mostrá-la ora como uma louca psicótica ora como um santo instrumento de Deus (Vai depender de quem fez o filme, se anglófonos ou francófonos, hehehehe). Ainda aguardo um filme ou série da Dama de Lorraine que a mostre como uma mulher inteligente que soube manipular aqueles que estavam a sua volta para lhe dar o poder que acreditava precisar para tirar os franceses do atoleiro. O 13º Guerreiro também é um filme interessante, que vai na mesma linha do Último Samurai. O estrangueiro que chega com um jeito diferente de ver o mundo e que acaba se descobrindo no convivio com o povo estranho que o "acolhe". A diferença é que Tom Cruise é integrado a refinada e tradicionalíssima cultura japonesa do século XIX, enquanto que Antonio Bandeiras vai para a última fronteira bárbara da Europa, os países nórdicos e seus hábitos e crenças nada requintados para seu tempo.
E finalmente, chegamos ao ápice do filme guerreiro medieval. Coração Valente. Todos já assistiram esse filme, dispensa comentários. Mel Gibson pode ser criticado pelo excesso de violência que aplica em seus filmes, mas de uma coisa não pode ser condenado. A de mascarar a brutalidade do mundo passado com eufemismos ou meias verdades. Sim, era uma prática, sobretudo na Grã Bretanha que os senhores medievais desposassem as mulheres recém casadas antes de seus maridos. Sim, as guerras eram sangrentas e cruéis e no turbilhão de aço e carne não existia heroísmo nenhum. Era só brutalidade e selvageria. E por falar em Mel Gibson. Confesso que fiquei realmente impressionado com a ousadia dele em filmar Apocalypto. Conte nos dedos quantos filmes de América pré contato você conhece? Um que não esteja centrado no contato entre europeus e índios, mas sim no modo que os índios se relacionavam. Conhece mais algum? Parabéns. Mas garanto que não vão ser muitos. Ele foi criticado porque fez Paixão de Cristo fundamentalista. E tudo o que fizer de agora em diante vai ser criticado. Apocalypto é um excelente filme. Ok, o que transparece é que os índios, notadamente os Maias que são representados como opressores, são um bando de carniceiros malvados e sem escrúpulos. Mas ora, eles são cristãos? Eles conhecem direitos humanos? Não. Esse é o mundo em que morrer nas mãos do sacerdote é uma glória. E de que guerra por captura de escravos para o sacrifício é uma prática comum em quase todo o continente. Acontece que os cativos nem sempre encaravam assim. E foi isso que ele mostrou. A crítica é: o filme é anacrônico, sim, o apogeu da civilização Maia, como retratado no filme foi muito antes dos Europeus sonharem que existia América. A impressão que fica é que os Europeus salvam a pátria no final? Sim. Mas o resto, bem, o resto é puro deleite. Outro filme bom de América é o Último dos Moicanos. Mas o melhor deles é A Missão. Se nunca assistiu A Missão, vá correndo agora numa locadora mais próxima e alugue! Embora, esse seria o conselho que eu daria para alguém que se interessa por história das Américas. Um filme para passar longe é Novo Mundo. Curiosamente também estrelado por Collin Farrel.... porque será? Porque o filme é um porre de chato. Evite! Evite a todo custo!
Mas nem tudo é guerra, afinal filme histórico não necessáriamente precisa ser épico de Guerra. Filmes como Orgulho e Preconceito, o Piano, Elizabeth, A Outra, etc. Que retratam as formas de relacionamento e o papel da mulher na sociedade reprimida dos séculos XIII ao XIX são ótimas pedidas para quem gosta de história e não quer ver alguém sendo decaptado ou ter o coração arrancado do peito ainda pulsante.
Há também as séries de Faroeste (Como a fantástica Deadwood), os filmes de segunda guerra mundial, normalmente todos muito bons (Nota 10 são a série Band of Brothers e os filmes a Queda e Circulo de Fogo, que trata da virada da segunda guerra mundial, a verdadeira virada. A Batalha de Stalingrado na Russia).
CORTA!
Bem amigos é isso. Ficaram muitos filmes de fora dessa salada. Mas não dava para falar sobre todos. Muitos clássicos que abordam a Guerra Fria, como caçada ao Outubro Vermelho, ou o Dia em que a Terra Parou (O antigo) são exemplos desses. E há também os filmes que são pura diversão, mas com pitadas de história, como claro, não poderia deixar de ser, Indiana Jones (os três primeiros ok. Esse último não é Indiana Jones... Aliens!? Pelo amor de Deus...).
Bem, eu prometi semanas atrás a um amigo que gosta de me ouvir falar de história que falaria de um país muito importante para ele. E aproveitando o ensejo do fim da copa vou pagar a promessa.
Apesar de gostar de escrever um bocado, como vocês já devem ter percebido, vou ter de me furtar de vários aspectos da história desse país, porque ela é extensa e importante demais para ser contada de uma única vez. Assim, vou me ater aos pontos mais importantes e quem sabe numa outra ocasião abordar outros pontos da história.
Entonces, !!vamos a la España!!
Tierra de Conejos
A Península Ibérica (aquele pedaço de terra que se projeta da Europa para o Atlântico, que compõe hoje Portugal e Espanha) é habitada pelos homens há muito tempo. Mas a história desse pedaço de terra passa a ter importância para nós a partir da chegada de Gregos e Fenícios (Que se originavam onde hoje é o Líbano e cuja capital mais importante foi Cartago, onde hoje é a Líbia, no norte da África) a região. Foram os Gregos que deram o nome a península. Os Fenícios fundaram Cadiz (80 anos depois da Guerra de Troia) e foi deles que o país ganhou seu nome. Eles o chamaram de i-spn-ya. O real significado dessa palavra é controvérso. Mas a teoria mais aceita é que o nome signifique "Terra de muitos coelhos". Assim, se um dia for a Espanha, evite piadinhas envolvendo coelhos, os espanhóis tendem a não gostar muito delas, hehehe. Bem, depois que os romanos derrotaram Cartago nas Guerra Púnicas (Duas grandes guerras envolvendo o nascente poder romano e o poderoso império marítimo fenício) a Península Ibérica como um todo passou a fazer parte do Império Romano e isso lhe trouxe grande prestígio. Tanto que três imperadores romanos (Trajano, Adriano e Teodosio) e um grande filósofo da Antiguidade (Seneca) nasceram no que hoje seria a Espanha.
A prosperidade da região durou tanto quanto o Império Romano Ocidental. Quando esse começou a ruir, ruíram também as proteções dos hispanicos. Assim, os bárbaros invadiram a península e fizeram o mesmo que fizeram em toda a Europa Ocidental. Derrubaram Roma e tudo aquilo que a fazia prosperar, mergulhando assim na Idade Média. Triste fim para Roma, mas essas invasões foram responsáveis pelo período que definiria nossa sociedade como um todo e que caracterizaria principalmente o modo de ver o mundo dos espanhóis. Assim a tão mal falada idade média é de suma importância, embora de fato tenha lançado nossos ancestrais europeus séculos atrás nos avanços científicos que os romanos e gregos haviam adquirido.
Mouros!
Dos bárbaros invasores, o povo que melhor se adaptou a hispania foram os Visigodos. Os Visigodos, assim como todos os demais povos "Bárbaros" invadores do Império Romano vinham do norte e leste da Europa ou da Ásia. Notadamente do que hoje chamariamos de Alemanha, Hungria, Bulgária, etc. Os Visigodos derrotaram os outros bárbaros da região e tomaram as rédeas da península. Foram os primeiros a unificar os territórios em torno de um monarca e acabaram aceitando o cristianismo como religião oficial (Alias, marco importante não só para os espanhóis mas para toda a Europa. O Cristianismo acabou se tornando a liga principal de toda essa salada de povos para o grande invasor que estava por vir). O primeiro centro de poder da Hispania foi a cidade de Toletum (Hoje Toledo).
Tudo ia bem para os Visigodos até a chegada de um novo terrível adversário. Impulsionados pela fé e pelas conquistas sucessivas e incontestáveis, os árabes chegaram a península e rapidamente conquistaram os reinos Visigodos, forçando-os cada vez mais ao norte e assim tomando toda a região sul da Espanha e de Portugal. E aqui vale uma ironia. Durante a Idade das Trevas na Europa, os Árabes ascenderam ao poder no que antes era um domínio absoluto do Império Romano. Conquistaram terras importantes como o Egíto e a Pérsia, o Magreb (Norte da África) e invadiram a Europa sem piedade, para levar a "verdadeira fé" aos povos bárbaros do norte. Os muçulmanos naquele período eram um dos povos mais avançados do mundo. Construíram a primeira universidade em solo europeu (Em Córdoba)e ajudaram a difundir conceitos matemáticos avançados, como o Zero (Palavra árabe), que eles aprenderam com os Hindus. Os árabes fundaram Córdoba e criaram o emirado de Al-Andaluz. Foram contidos por Carlos Magno em sua louca investida para o norte da Europa e se contentaram em dominar mais da metade do território ibérico.
Sobrou para os cristãos apenas uma estreita faixa no norte da península, que abrigava as regiões de Leão, Castela, Galícia e o País Basco, cujo povo já habitava a mesma terra antes mesmo dos Fenícios chegarem e ficaram ali, teimosos todo esse tempo, impressionante a disposição dos Bascos em se afirmar como povo independente, sofrendo invasões de toda a sorte desde 2000 a.C.
Os reis visigodos que quiseram manter seus reinos tiveram de converter-se ao Islamismo, aqueles que não o fizeram foram mortos ou expulsos e assim parecia que a Espanha seria definitivamente muçulmana, não fosse o fanatismo religioso que abrigou-se no coração dos povos que habitavam aquela estreita faixa de terra ao norte da península.
Essa resistência ganhou força moral quando o Rei Pelayo, se revoltou contra os muçulmanos. A primeira revolta fracassou e não deu em nada. Mas ele não desistiu, fez novamente e dessa vez acabou conseguindo a independência de seu reino, que passou a se chamar Reino das Astúrias. Esse é o marco importante e principal do que será conhecido como "La Reconquista".
Do lado mais oriental da península, que era controlada tanto por Francos (Povos bárbaros como os Visigodos que se estabeleceram na Galia, atual França, e cujo nome do atual País que o ocupa veio deles) quanto por Visigodos a expansão muçulmana foi detida pelos Reis Carolingios, dos quais o mais famoso é Carlos Magno. O esquema utilizado por eles para frear os árabes era transformar regiões inteiras em condados militares, fortemente armados e semi-independentes (quase feudos) para se defenderem do invasor com tudo o que tinham. Esses condados acabaram com o tempo se dissociando cada vez mais do poder central dos Carolingios e ganhando cada vez mais autonomia. Eram conhecidos como Marca Hispanhola ou Condados de Barcelona, ou Cataluña. Esses condados logo começaram a se expandir, formando alianças por casamentou ou conquistando novos territórios (De mouros ou cristãos, não importava). Por volta do século XII os condados se uniram a Coroa de Aragão, formando uma frente considerável aos mouros.
Portanto, pode parecer uma ironia, mas sem dúvida, a invasão muçulmana à Península Ibérica foi a principal responsável pela união dos povos que viviam na Hispania em torno de um único objetivo, forjando assim o que no futuro seria a identidade nacional espanhola.
Contudo há uma lenda que explica melhor esse assunto.
"El Cid"
Diz-se que por volta de 1041 d.C. nasceu na Região de Castilla y Leão, na província de Burgos, na cidade de Vivar del Cid um tal Rodrigo Diaz de Vivar. Ele era filho de um nobre, proprietário de vastas terras na região onde vivia. Rodrigo logo ingressou na área militar, tornando-se pajem do principe Sancho, filho de Fernando I de Leão y Castilla.
Por conta disso, aprendeu a lutar, a ler e escrever (um tremendo privilégio no século XI) e também algumas noções de direito. Contudo, foi nas armas que ele se destacou de fato. O Rei Fernando I morreu e dividiu o seu reino entre os filhos da seguinte forma: Castilla para Sancho, Leão para Afonso, Galicia para Garcia, Toro para Elvira e Zamora para Urraca (Isso era nome de mulher na época). Foi feito cavaleiro pelo Rei Sancho II de Castilla. Rodrigo ajudou o jovem rei a tomar de seus irmãos os reinos de Toro, Leão e da Galicia. E foi durante essas lutas que ele ganhou seu primeiro apelido, "Campeador", após derrotar um Alferes (Uma patente militar que já não existe mais nos exércitos modernos, mas que ficaria entre o sargento e o tenente)em um duelo.
Durante o cerco de Zamora, em que Rodrigo estava presente, o Rei Sancho foi assassinado. Rodrigo então prestou juramento ao irmão derrotado de Sancho, Afonso I de Leão, que conseguiu unificar os reinos novamente. Contudo, diz a lenda, que ele só fez isso depois de obrigar o novo rei a prestar "Juramento de Santa Gadea", isentando-se de qualquer participação no assassinato de seu irmão Sancho.
Rodrigo e Afonso tiveram um período de boas relações, o rei inclusive arranjou o casamento de Rodrigo com Jimena Diaz, o único amor do herói espanhol. Jimena era da alta nobreza espanhola e teve três filhos com Rodrigo, sendo um menino e duas meninas. As garotas se casariam com figurões da história espanhola.
Afonso, porém, entregou a Rodrigo um papel secundário nos assuntos do estado. Rodrigo agora era um cobrador de tributos dos reinos mouros que pagavam impostos ao Rei para serem deixados em paz. E foi numa dessas cobranças que as coisas começaram a se complicar para o Campeador.
Rodrigo seguiu com seus homens ao reino do califa Almutamid em Sevilla para cobrar a pária, o tal imposto citado acima, quando se viu diante de um conflito. Um nobre espanhol, Garcia Ordonez a serviço do rei Abdala de Granada estava atacando Sevilla e Almutamid pediu ajuda a Rodrigo. Como Sevilla era tributária do Rei Afonso, Rodrigo e seus homens lutaram a seu favor e venceram o conflito. Mas isso custaria caro para ele. Os nobres cristãos, enciumados com o prestígio do Campeador e com o fato dele ter lutado contra um irmão de fé a favor de um mouro infiél instigaram o Rei a tomar uma atitude drástica. Rodrigo seria desterrado, tornado um soldado sem senhor, um cavaleiro errante e obrigado a viver fora dos domínios cristãos.
E é aqui que ele deixa de ser um homem e se torna uma lenda.
Não há nada mais desonroso para um cavaleiro no século XI do que não ter um senhor. Alias, nada mais desonroso e mortal. Afinal, um cavaleiro nada é se não um soldado a serviço de um senhor. E é esse senhor que lhe provém o sustento e a segurança do cavaleiro e de sua família. Ser portanto um degredado, um exilado ou um cavaleiro errante é ser pior do que um mendigo. É estar a um passo do banditismo ou da sepultura.
Portanto, Rodrigo não poderia se resignar a errar por ai, livre, leve e solto. Ele precisava de um senhor, mas nenhum rei cristão aceitava lhe dar abrigo, temendo a ira do grande Afonso. Assim, o Campeador não teve outra saída se não recorrer aqueles contra quem ele lutou tão bravamente. Rodrigo Diaz de Vivar tornou-se um cavaleiro a serviço dos muçulmanos.
Os muçulmanos conheciam Rodrigo pelo apelido de El Cid. Apelido esse que será a marca de sua lenda. El Cid tornou-se cavaleiro do rei de Zaragossa Al-Muqtadir e depois de seu filhho Al-Mutaman. Sua primeira missão foi derrotar um dos irmãos de Al-Mutaman, que se aliara aos condes de Barcelona e ao Rei Afonso contra Zaragossa. El Cid venceu a batalha e fez um dos condes refém. Sua fama se espalhou como uma centelha nos califados muçulmanos e todos desejavam ter aquele brilhante guerreiro a seus serviços.
Os Mouros que habitavam a península na época eram bastante diferentes dos demais muçulmanos que habitavam o resto do vasto império árabe. Por conta da proximidade com os reinos cristãos e portanto, com cristãos em suas terras, os muçulmanos da hispania tiveram de fazer vista grossa a alguns preceitos do islamismo. Portanto, não eram fundamentalistas.
Mas como todos os povos de seu tempo, os muçulmanos também tinha rixas internas. Por volta de 1086 um grupo de guerreiros mouros, os Almoravidas, invadiram a península ibérica, trazendo consigo uma observância maior da lei islâmica, que era totalmente incompatível com a idéia de ter um chefe de guerra cristão trabalhando como um mercenário. Os Almoravidas, como invasores, também traziam homens ávidos por enriquecimento rápido e portanto eram uma ameaça substancial tanto para mouros quanto para cristãos. Eles desequilibraram o status quo da península e fizeram com que os cristãos passassem a temer uma nova onda de ataques e saques de suas terras. Numa tentativa de impedir que continuassem avançando, Afonso envia seus exércitos a Sargrajas, onde é derrotado.
O Rei então fez as pazes com El Cid e juntos eles conseguiram deter os Almoravidas. Rodrigo ganhou poder e prestígio, mas isso não durou muito. Novos conflitos entre os califas mouros que mantiveram seus reinos e os cristãos acabaram forçando o rei Afonso a intervir novamente. Ele solicitou a ajuda de El Cid, que não apareceu para ajudá-lo. O motivo é incerto, provavelmente Rodrigo não conseguiu chegar, ou então quis evitar um confronto entre dois senhores que ele servira e de quem gostava. Assim, incorreu na fúria de seu rei e foi desterrado, pela segunda vez.
Contudo agora Rodrigo não era só um cavaleiro errante. Ele era El Cid Campeador. Centenas de cavaleiros o seguiam por sua glória e ele passou a agir por conta própria, conseguindo vitórias fantásticas sobre os adversários e tornando-se um grandioso senhor de terras em toda região leste da hispania. Afonso percebendo que estava sendo isolado pelo poder do Cid aliou-se aos condes de Barcelona e Aragão e atacou as forças de Cid, assediando Valencia onde ele se instalara. Mas foram rechaçados e expulsos das terras de Rodrigo.
Ele ergueu um reino poderoso em Valencia, que durou até sua morte. Jimena e seu genro Ramon Berenger III (Conde de Barcelona) tentaram manter o poder, mas foram expulsos pelos almorávidas e receberam abrigo do Rei Afonso.
Contudo isso é a história oficial. O mito de El Cid termina, como toda história épica deve terminar.
Ferido gravemente durante o cerco almoravida a Valência, El Cid em seus últimos minutos de vida pede a sua esposa que lhe conceda um último desejo. Que ele possa cavalgar junto com seu rei uma última vez contra seus inimigos. Mas ele não passaria daquela noite.
Jimena, juntamente com o genro de Rodrigo então tem uma idéia. Os homens de El Cid não poderiam suspeitar que ele estava morto ou moral das tropas despencaria e o impeto da luta estaria acabado. Assim, naquela noite eles amarraram o Campeador ao seu cavalo e usando algumas estruturas de madeira mantiveram o cadaver em posição altiva, com a lança em riste. Momentos antes da batalha começar bateram nas ancas do cavalo do Cid e o lançaram a toda carga sobre a infantaria almoravida, muito mais numerosa.
Os Almoravidas que já cantavam vitória acreditando que o homem estava morto assustaram-se com aquela aparição e fugiram assustados. Os homens do Cid, inflados pelo orgulho e pela coragem de seu senhor, que partia para a batalha como se não houvesse amanhã (No caso dele, não mesmo!) o seguiram e massacraram os almoravidas. E graças a esse ato desesperado, os cristãos venceram o cerco de Valencia e El Cid foi consagrado o maior herói que a espanha já teve.
Ele é o exemplo máximo do espírito espanhol. De fé, oportunismo e honra. Celebrado herói dos castelhanos. E inspiração da luta pela reconquista cristã da Península Ibérica, que seria tratada como uma verdadeira cruzada ocidental, para expulsar os muçulmanos da Europa e que se concretizaria somente no século XV, sob o reinado de Fernando de Aragão e Isabel de Castilla (De quem já falei aqui no Blog). Que iniciaram um dos primeiros estado nação do mundo. A Espanha.
Apenas o começo...
A Reconquista marca o início da ascensão espanhola ao topo do mundo. Com a unificação dos reinos nas mãos dos Reis Católicos (Fernando e Isabela) o feudalismo chegava ao fim na Espanha e a Idade Moderna começava a despontar em solo Ibérico. Foi durante o fim da idade média e o início da idade moderna que Portugal e Espanha alcançaram o auge de seu poder. Notadamente porque seus reis perceberam o ambiente favorável para por fim ao regime feudal e concentrar o poder em suas mãos. Sua desculpa foi a reconquista e a expulsão dos mouros de seu território.
Posteriormente a Espanha tropeçaria na América, dividiria o mundo com Portugal e dominaria o mundo num império em que o Sol jamais se punha. Contudo aquilo que uniu os espanhóis para a glória possivelmente os levou a ruína. A religiosidade exacerbada e fanática dos espanhóis nos séculos XVII e XVIII levou a Espanha a conflitos com quase todos os seus vizinhos. França, Holanda, etc. E claro, com sua arquirival, a Inglaterra de Elizabeth, que suplantará a Espanha nos séculos vindouros como a grande potência marítima, econômica e política do continente Europeu até a Primeira Guerra Mundial. As razões para esse declinio tão acentuado de uma nação tão onipotente em seu tempo é motivo de discussão no meio acadêmico, mas atribiu-se principalmente a prática religiosa e ao pensamento retrógrado dos governantes Espanhóis, que sustentados pelas riquezas de suas colônias na América, não acompanharam as evoluções econômicas, tecnológicas e sociais que o resto do continente enfrentava. A prata das Américas, foi a glória e a ruína de Espanha.
Opa! Falei que seria mais rápido desta vez!
Incautos leitores, hoje vou falar sobre uma personagem extremamente controversa da história da humanidade. Uma figura que pela sua importância crucial nos eventos que mudariam o mundo ganhou status de lenda. Contudo as opiniões sobre ela divergem, mesmo no meio acadêmico, que deveria ser, digamos assim "imparcial". Embora seja peça chave do que ajudou a construir os fatos que a envolvem são obscuros, notadamente por sua condição feminina e principalmente pelo desenrolar dos acontecimentos que se seguiriam nos séculos vindouros. Seu nome é considerado um palavrão no México, embora ela seja adorada por tantos outros conterrâneos. Alias, falar em nome para essa criatura chega a ser uma piada de mal gosto. Justo ela, que carregou tantos ao longo da vida. Vou fazer uma brincadeira com vocês. Leiam a postagem, tirem suas conclusões e a condenem ou a absolvam se assim desejarem.
Então vamos contar a história dessa mulher fantástica chamada...
"Era uma vez a Princesa Malinali..."
O que se sabe sobre a infância dela é o que nos foi relatado pelos cronistas espanhóis e o que sobreviveu dos relatos dos povos nativos após a conquista. Ou seja, um relato muito pouco confiável. Ainda assim, é o único que temos e nesse caso, não da para exigir demais. Diz-se que ela nasceu no ano Ce-Malinali (Calendário Asteca, que corresponde a 1496 de nosso calendário cristão). Filha de um nobre que servia ao Império Asteca(Embora alguns historiadores prefiram o termo Federação Asteca) na região de Coatzalcoalcos, na fronteira sul com as terras maias. Eles eram parte da elite do povo Nahua, falantes do Nahuatl, a língua franca do território controlado pelos astecas. A pequena princesinha ganhou esse nome, Malinali, por conta de ter nascido naquele dia e naquele ano. Explico. Os Astecas não nomeavam seus filhos com o nome definitivo assim que nasciam. Quando nascia uma criança, depois de alguns dias, ela era levada a um sacerdote responsável pelo livro dos nomes. Ele fazia cálculos baseados no que tinha a mão, levava em consideração o dia, a hora e o ano do nascimento e dava um nome a criança, que ela carregaria até atingir certa idade, quando ganharia o nome definitivo. Muitas vezes, o nome de "batismo" acabava ficando, o que não foi exatamente o caso de nossa pequena princesa. A pequena princesa teve a educação que as mulheres nobres astecas podiam ter, foi enviada ao Calmecac (A escola de filosofia e religião dos astecas) e lá aprendeu aquilo que as meninas tinham de aprender, ou seja, respeitar o marido, temer os deuses e cuidar da casa. Escrever, ler, aprender a tocar instrumentos ou até mesmo lutar era reservado aos homens. A sociedade asteca não era muito diferente da européia no que tange a direitos femininos no final do século XV e começo do século XVI. Contudo, vê-se que o pai de Malinali se preocupava em dar instrução a sua única filha, o que já era bastante raro. A menina também deveria ter demonstrado uma grande inteligência e desenvoltura, pois essa característica marcante a acompanharia pelo resto da vida.
Tudo ia bem para a pequena princesa, seu destino estava traçado, afinal, quando nascera o pai enterrara seu cordão umbilical ao lado do fogão de sua casa, como era o costume para as meninas (Se fosse menino o cordão umbilical seria enterrado num campo de batalha) para que elas nunca se afastassem do lar. Ela também ganhara uma pequena vassoura e uma roca como primeiro presente, como era o costume. Alias o costume era tudo naquela sociedade. Acontece que o costume não os preparou para o trágico evento que viria a se abater sobre a nobre familia nahua. O pai de Malinali adoeceu terrívelmente. Nenhum curandeiro conseguia curá-lo e por fim, ela ficou orfã. Como era de se esperar, sua mãe logo se casou novamente e não tardou para que seu padastro quisesse ter seus próprios filhos. Para azar de Malinali, nasceu um filho varão e ela passou a ser um empecílio aos desejos do padastro. Afinal, a nobreza era de seu pai e, portanto, tudo pertencia a ela, sua única filha. O resultado não poderia ser mais trágico para a jovem princesa. Entregue ao sacrifício ritual? Impossível, ela era nobre. Um casamento as pressas? Impossível, ela era jovem demais. Restou uma alternativa, que não seria viável, não fosse a proximidade com a fronteira. Malinali foi vendida pela própria mãe aos mercadores escravos maias da região de Tabasco, alguns sacos de milho foram o pagamento. Num dia, ela era uma princesa Asteca. Estava no topo da hierarquia social de sua sociedade, acostumada a olhar o mundo de cima. Agora, ela era uma escrava. Do céu ao inferno, ou no caso dela, do Tlalocan ao Mictlan e um piscar de olhos. E onde estavam os seus para ajudá-la? Onde estava Quetzalcoatl que não impediu aquela crueldade?
"... da escrava imprestável à Auianime Malinche."
A parte mais obscura da vida de nossa ex-princesa Malinali, agora conhecida pelos maias pelo nome de Malinche, começa assim que ela foi vendida até o encontro com os Europeus. Ela foi vendida antes de entrar na puberdade, provavelmente por volta dos 7 a 9 anos. Da para imaginar que a vida para ela perdeu completamente o sentido. Alguém que vivera no luxo entre a nobreza, que tinha tudo o que quisesse comer e vestir, ter de se contentar com trapos sujos, andar descalça, comer o que restasse ou o que lhe dessem. Certamente a menina penou, mas como as crianças se adaptam rápido as circunstancias, ela sobreviveu. Talvez, vocês não saibam, mas o padrão de beleza maia era bastante peculiar. Quando as crianças nasciam, os pais amarravam pranchas de madeira na cabeça dos filhos de modo que o crânio da criança se desenvolvesse alongado, com a testa achatada. Para as meninas, colocava-se uma bola pendurada por um fio a frente dos olhos de modo que elas se tornassem... er... vesgas. Era o que eles consideravam belo. Malinche não tinha essas características, ela era Nahua, ela tinha os traços dos povos do norte. Ela era uma menina feia para os maias. Menina feia e escrava molenga. Seus primeiros donos não gostaram dela e a colocaram de volta ao mercado de escravos para ser novamente vendida. Isso era um problema. Segundo a lei, quando um escravo era vendido duas vezes, a terceira poderia levá-lo ao sacrifício ritual. Antes disso não. Acontece que o novo comprador tinha outros planos. Levou a jovem menina feia e a tratou muito bem. A alimentou, cuidou dela melhor do que das outras escravas. O motivo era simples. Malinche cresceria, e se tornaria uma Auianime rara naquelas terras, ou seja, uma prostituta exótica. Uma mulher do povo dominante, que seria dominada pelos homens maias. Acontece que por ser inteligênte, educada, Malinche tirou proveito daquela situação. Aprendeu o maia chontal (lingua de seus captores), conseguiu notícias de tudo o que acontecia pelo império, ou seja, era uma mulher informada. Seu destino provavelmente era ser a Auianime de luxo dos maias até que estivesse velha demais para que a quisessem ou que alguém a quisessem demais e a comprasse para si. Mas o destino, bom o destino dela era como uma tempestade caribenha. Quando menos se espera se torna um furacão incontrolável.
Doña Marina encontra Quetzalcoatl.
Um dia os homens da cidade se armaram e foram para a guerra. Não que isso fosse novidade. Era a coisa mais comum do mundo. Ir para a guerra, trazer uns cativos, sacrificá-los nos altares das pirâmides para aplacar a sede de sangue infinita dos deuses. Contudo, quando eles voltaram as mulheres perceberam que algo estava errado. Não havia cativos, os homens estavam massacrados, sujos e muito feridos. O cacique reuniu provisões e ordenou que 20 jovens mulheres escravas fossem reunidas. Malinche estava entre elas. Era de se esperar que em seus corações, essas vinte coitadas estivessem pensando que chegara a hora de enfrentar a faca de obsidiana, rasgando seu ventre e a mão hábil do sacerdote penetrando sua carne para arrancar seu coração ainda pulsante do seio e exibi-lo a multidão extasiada. Quem seriam os vencedores? Astecas? Não, não era assim que costumavam proceder.
Foram então elas encaminhadas junto com a comida para o litoral, onde seus olhos não puderam acreditar no que viam. No grande oceano, flutuavam templos alados (onze ao todo). Por toda a praia, estranhas criaturas, que se pareciam com homens, mas que carregavam estranhas couraças protegendo seus corpos, armas reluzentes que destroçavam a mata ao redor numa fúria incontrolável, cachorros gigantescos (pois para os astecas e maias, cachorros só os pelados, que existiam ali e que só serviam para uma única coisa... comida!) capazes de devorar um homem e finalmente aquela coisa horrenda que parecia um veado gigante, mas que de suas costas erguia uma outra criatura que era metade homem. Que terríveis feras do Mictlan eram aquelas? E, por todos os deuses juntos como FEDIAM!
Os maias deixaram as mulheres lá na praia e correram pro mato. Os espanhóis as arrebanharam e as levaram para um cercado que parecia uma cozinha. Pediram para que elas cuidassem da comida. A idéia de que eram criaturas logo caiu por terra, pois perceberam que eram homens, os homens mais feios que já viram, talvez exceto por aquele com cabelos claros que adorava aquelas bizarras feras gigantes, que só se interessavam em comer grama. Depois o líder deles fez um discurso, montado numa das feras furiosas. E Malinche devia estar prestando bastante atenção, pois aquele só poderia ser Quetzalcoatl, o deus-homem, que prometera voltar do mar oriental para reclamar seu reino no ano Um Junco. Exatamente aquele ano em que estavam.
Passado algum tempo os espanhóis resolveram encontrar outra serventia para as mulheres maias. Mas eles como bons cristãos não poderiam se deitar com pagãs. Então batizaram todas elas e foi ai que Malinche ganhou seu novo nome, o nome cristão de Marina.
Ela devia se destacar das outras escravas maia. Pois os espanhóis deviam achar o padrão de beleza maia tão bizarro quanto os astecas. E certamente, o mulherengo Hernan Cortez cresceu os olhos para cima daquela índia peculiar. Mas não foi com ela que ele ficou aquela noite. Malinche... er... Marina, foi entregue a Puertocarrero, um nobre espanhol (nobre de verdade, com linhagem e tudo).
Foi então que a expedição de Cortez encontrou-se com um novo membro. Um espanhol, cujo navio naufragara anos antes nas costas do Yucatan e que vivera entre os maias. Geronimo de Aguilar aprenderam o Maia Chontal e Cortez viu ali a grande chance de sua vida. A chance de por seu plano em prática. A verdade é que Velasquez, governador de Cuba ordenara a ele para que liderasse uma expedição na costa do continente para localizar náufragos espanhóis para resgatá-los e levá-los de volta a ilha. Mas Cortez tinha outros planos. Com um espanhol que pudesse traduzir o que os índios falavam, ele poderia conquistá-los para a coroa do imperador Carlos e convertê-los a fé cristã, e quem sabe, achar um El dorado da vida. Acontece que Aguilar lhe falou sobre o Império Asteca, sobre as histórias que ouvira da capital destes e isso despertou em Cortez um desejo incontrolável de chegar até lá. Mas havia um problema, Aguilar falava maia chontal e não Nahautl. Mas para os espanhóis, índios eram todos iguais e portanto deveriam falar todos a mesma língua, certo?
Cortes fundou a primeira cidade no continente (Oficialmente), Vera Cruz. Foi aclamado por unanimidade como prefeito de tal empreitada e depois seguiu com seu séquito de uma centena de espanhóis para o norte, até a cidade dos Cempoalas, um tributário dos Astecas. Foram recebidos com surpresa pelos Cempoalas, curiosos com aqueles estranhos seres vindos do leste. O Cacique dos Cempoalas veio ao encontro dos espanhóis e tudo foi uma grande confusão. Eles balançavam incensos na frente dos conquistadores e falavam aquela estranha língua que ninguém entendia. Aguilar alertara o capitão Cortez que não falava aquela língua e os ânimos ficaram tensos, até que uma das escravas se adiantou e traduziu as palavras do Cacique apra Aguilar. Este por sua vez traduziu o que ela falou para Cortez. A escrava em questão era Marina. Que falava Nahuatl e maia.
A sim, o incenso era para suportar o cheiro horrível dos espanhóis....
Não é preciso dizer que logo em seguida, Cortez mandou Puertocarrero de volta a Espanha para avisar da descoberta que fizera. Adivinha quem passaria a dividir sua esteira a partir de então?
Enquanto estavam em Cempoala, uma visita inesperada acelerou a marcha para a capital asteca. Coletores de impostos do Uey Tlatoani (Venerável Porta voz) Motecuhzoma Xocoyotzin vieram buscar os tributos de Cempoala (Na realidade, vieram ver o que eram aqueles homens estranhos vindos do leste e que diziam serem Deuses). Exigiram o de praxe, comida, riqueza e xochimiquis, pessoas para serem sacrificadas aos deuses deles. Cortez percebeu que era sua chance de matar dois coelhos com uma só cajadada. Por meio de Marina, ele convenceu o cacique Cempoala a prender os coletores de impostos. Na calada da noite, ele, Marina e Aguilar foram até os coletores de impostos e ele os libertou, mandando uma mensagem ao Tlatoani. Ele, Quetzalcoatl Cortez, era seu aliado e só estava se certificando o quão pérfido era aquele cacique dos Cempoalas. No dia seguinte quando o cacique descobriu que eles fugiram, Cortez disse a ele que deveria ter sido uma fuga facilitada por espiões e que ele deveria tomar cuidado.
Montezuma mandou muitos presentes a Cortez, muita plumaceria, jarros, finas roupas de algodão e ouro. Obviamente, os espanhóis só deram atenção ao ouro, mas desdenharam do presente na frente do Cacique, dizendo que não seriam comprados por aquele suborno barato. Depois, agradeceram aos Astecas e disseram que eles iriam pessoalmente agradecer ao Tlatoani tão valioso presente. Na realidade Montezuma queria que os espanhóis voltassem para casa com os presentes, mas as peças em ouro só atiçaram ainda mais a doença que os espanhóis tinham. Segundo eles, os espanhóis sofriam de uma doença grave em seus corações, que só poderia ser amenizada com muito ouro.
Acontece que sem Doña Marina seria impossível ir a Tenochtitlan. Nas palavras de Cortez: "Depois de Deus, a conquista do México se deve a Doña Marina". Ela logo aprendeu a falar espanhol e a participação de Aguilar se tornou praticamente desnecessária, embora ele continuasse no séquito de Cortez. Por onde passava, era ela quem fazia as honrarias, era a voz dela que os índios escutavam, e como era o costume era o nome dela que eles consideravam como sendo o interlocutor. Portanto, era a ela quem os índios se dirigiam. Cortez passou a ser conhecido por Malinche, Capitão Malinche ou ainda Malinche Cortez. Doña Marina conseguiu apoio de vários povos descontentes com o domínio Asteca e quando eles chegaram a Tenochtitlan, o improvável grupo de cento e poucos espanhóis agora era acrescido de milhares de aliados índios. Ainda assim, poderiam ter sido esmagados pelos exércitos Mexicas (O povo mais forte da federação asteca).
Os espanhóis ficaram maravilhados com Tenochtitlan. Disseram que não havia no mundo cidade mais bela. Que Londres, Madri ou Lisboa não se comparavam. Que nem mesmo Constantinopla (Atual Istambul) chegava a seus pés. Marina também deve ter ficado deslumbrada. O encontro com o Uey Tlatoani, foi cheio de tensão. Sem coragem de olhar para o Imperador, Marina usando todo o seu nahuatl nobre, cheio de reverencias e pomposidade apresentou o conquistador Cortez à Montezuma. Como era de praxe, Montezuma, considerado um semi deus não demonstrou coisa alguma. Cortez, como bom espanhol se aproximou para abraçar o Tlatoani e uma comoção generalizada irrompeu o local. Marina logo o interpelou, dizendo que o Tlatoani não poderia ser olhado diretamente, quanto mais tocado.
Acontece que isso surtiu um efeito devastador na postura de Montezuma. O Tlatoani, acostumado com tudo ali, escrito e certo, achou que aquela postura do espanhol só poderia ser de um Deus. Aquele jeito arrogante e desleixado (Que poderia muito bem ter sido confundido com o de um bárbaro também!) só poderia ser coisa dos deuses. Montezuma foi um tolo, e Malinche foi a língua que o iludiu. Dai para os espanhóis tomarem a cidade, o poder e o império, foi um pulo.
"La Malinche, La Lengua y La Chingada!"
Ok. Ela foi a intérprete da conquista, mas e dai?
Bem, os próprios espanhóis confessam que a conquista do México seria impossível sem a ajuda de Doña Marina. Malinche, que depois seria chamada pelos próprios índios de Malintzin (O sufixo Tzin em nahuatl significa nobreza, mas o nome em si não faz sentido, portanto Malintzin é muito mais uma forma de desprezo do que de respeito), teve um papel muito mais relevante do que simplesmente traduzir. Os espanhóis, apesar da menção honrosa a seu papel pouco falam dela, contudo nos momentos decisivos, como na fuga durante a Noche Triste (Quando uma cidade enfurecida caçou e matou metade dos espanhóis pelas ruas de Tenochtitlan) em que todos se alegraram por vê-la salva e junto deles, ou por ser progenitora dos primeiros cristãos ilustres da Nova Hispania (Ela teve dois filhos com Cortez, um menino e uma menina). A maioria dos relatos contudo vem dos índios. Nos códices (Livros meso americanos que se dobravam em forma de leques) que sobreviveram ao tempo e a inquisição e portanto de veracidade duvidosa pois os espanhóis jamais deixariam passar algo que difamasse pessoa tão importante para a causa deles, ela é retratada com a verdadeira figura da conquista. Não há um único desenho em que ela não esteja na postura ativa, de convencer, instruir e até lutar pela causa dos espanhóis. Cortez sempre aprece a seu lado, apenas observando. Se levarmos isso em consideração, Malintzin não apenas traduziu as palavras, mas também o costume, as crenças, a forma como os índios guerreavam, as armas e as táticas de guerra. Ela delatou a tentativa de massacre na cidade de Cholula,quando os índios pretendiam matar os espanhóis, mas que foram surpreendidos por estes, graças a astúcia desta menina de apenas 19 anos. Em alguns códices Malintzin aparece segurando um escudo e instando os homens a luta. Para os índios ela é a responsável pelo colapso de sua civilização e por isso foi profundamente odiada.
Seu nome La Malinche, é hoje um palavrão no México. Na tentativa de reafirmar a identidade nacional os mexicanos do século XIX, desmistificaram as figuras de Malinche e Cortez, transformando-os em figuras centrais do colonialismo. Hoje, no México, quando se quer referir-se pejorativamente a alguém que prefere coisas estrangeiras a nacionais, se chama de Malinchista. Os mexicanos se referem a Malintzin como "La Chingada".
Contudo, no século XX, as coisas começaram a mudar para Malinche. As feministas começaram a olhar para ela, não como um instrumento de colonização, mas como uma mulher que enfrentou os ditames de sua sociedade, e valendo-se de sua inteligência galgou posições na hierarquia e tornou-se um dos principais personagens da história do México. Os historiadores por outro lado, olham para ela como a progenitora das nações latino americanas. Aquela que, assim como Pocachontas no norte e as índias Tupi-Guaranis no sul, aceitaram a chegada do homem branco como uma mudança inquestionável e que para evitar que seu povo fosse sumariamente massacrado, utilizaram-se de subterfúgios para convencê-los a aliar-se ou render-se ao inevitável. Muito se discute como teria sido a conquista do México caso ela não tivesse existido. Mais violenta e demorada com certeza. Ou teriam os índios vencido essa guerra? Com sua intervenção, Malintzin conseguiu, mesmo que por pouco tempo, impedir a completa destruição da cultura de seu povo? Ou simplesmente acelerou um processo de degradação que poderia durar anos ou simplesmente nunca acontecer? Alias... seu povo. Um termo ambíguo e extremamente perigoso, se levarmos em conta que foi seu povo que a vendeu como escrava quando criança, que a obrigou a se prostituir quando adolescente e que a deu como espólio de guerra aos espanhóis. Difícil acreditar que depois de tudo isso ela ainda tivesse um sentimento de fraternidade para com "seu povo", embora suas ações, levem a crer, hoje, que sim.
Há um fato curioso após a conquista. Diz-se que tempos depois, em sua casa nas terras que Cortez lhe dera ela recebeu a visita de uma velha e um jovem índio. Ninguém menos que sua mãe e o irmão! Alguém se arrisca a dizer o que ela fez? Não? Diz-se que os acolheu muito bem. Surpreendente não?
Apesar do longo e duradouro "romance" entre Malintzin e Cortez, os dois nunca se "casaram" propriamente. Motivo, Cortez já era casado com uma espanhola, parente do governador Velasquez. A mulher morreu em circunstâncias suspeitas pouco antes de Cortez ser obrigado a voltar a Espanha pelo Imperador, que não gostava nada da popularidade que ele tinha na América. Cortez levou o filho de Malintzin com ele, Martin Cortez, deixando apenas a menina com ela. Malintzin nunca mais veria o filho. Depois disso, ela se casou com um espanhol, mas a felicidade dela não durou muito. Não se sabe como, nem onde, nem porque, mas acredita-se que Malintzin morreu aos 25 anos.
Malinali, Malinche, Marina ou Malintzin...
Agora é com vocês. O que acham dessa personagem fantástica? Traidora ou salvadora? Pesam contra ela o fato de ter sido responsável direta pela queda de um dos mais gloriosos impérios que o Ocidente já viu. Mas também a construção de toda uma nova civilização. Seja como for, essa índia inteligente e pró-ativa, jamais será esquecida.
Nunca fui. Na verdade eu padeci, em minha infância e adolescência, do mal de ser um verdadeiro perna de pau. Sempre fui o último a ser escolhido na hora de tirar o time. E sempre percebi o descontentamento de meus amigos ao me ter jogando no time deles.
Por essas e outras esse vírus patriótico que afeta os brasileiros a cada quatro anos não costuma me atingir. De qualquer maneira, não poderia deixar passar a oportunidade de aproveitar a interessante mistura desse caldeirão de culturas que é a Copa do Mundo.
E como não poderia deixar de ser, por essa copa já ser especial só pelo lugar em que está ocorrendo, resolvi dedicar essa quinta postagem a cultura da África do Sul, essa terra tão cheia de contrastes e peculiaridades.
As árvores somos...
Todos, que estiveram na escola nos últimos 60 anos, provavelmente já ouviram aquela velha historinha manjada de que o homem veio do macaco e que esse macaco habitava a África. Portanto, o homem é Africano. Bom, vou começar desmentindo essa idéia estapafúrdia.
COMO ASSIM!?
Em primeiro lugar, não viemos de macaco nenhum. O que entendemos por macacos (chipanzés, gorilas, orangotangos, macacos pregos e micos) são parentes nossos, mas não nossos antepassados. Portanto, todos nós, homens e macacos viemos de um ancestral comum, que em algum lugar lá a milhões de anos atrás por algum motivo que ainda não descobrimos, mas que certamente foi alguma catástrofe climática que nosso terno planetinha assassino resolveu provocar, se separou em diferentes famílias de primatas que daria origem a toda essa família de simpáticos seres sociais da qual nós e eles fazemos parte.
Ok, mas o que isso tem a ver com Copa? África do Sul? Bom, os mais antigos sítios arqueológicos do mundo estão lá. Foram encontrados alguns australopitecus (Essa simpática figura ai do lado), indícios de que nossos ancestrais já vagavam por grande parte do sul do continente.
Levaria cerca de 1.000.000 (um milhão de anos) do surgimento do primeiro primata da linhagem evolutiva do gênero Homo (Quando nossos ancestrais se separaram dos ancestrais do macaco) até o surgimento de nossa espécie, o Homo sapiens sapiens. Mas claro, isso para quem acredita no senhor Darwin, o que obviamente, é meu caso =).
Depois que nossos ancestrais começaram a ficar mais altos e independentes, eles se espalharam pelo mundo. Foram parar em tudo que é canto. Os que ficaram na mãe África foram se adaptando as condições climáticas que o lugar os impunha. Aos que ficaram nas regiões abaixo do Saara, e portanto sem contato intenso com aqueles que habitavam os continente vizinhos (Europa e Ásia) acabaram por desenvolver uma pele negra, adaptada ao calor e as condições do Sol na região. Mas esse isolamento não foi de maneira nenhuma por tempo suficiente para que uma nova espécie de homem se desenvolvesse. Tão pouco uma nova raça. São apenas pequenas variações. Mas que no futuro farão toda a diferença entre eles e os outros.
Uma pedaço de chão disputado a tapas!
A região que hoje conhecemos por África do Sul sempre esteve sujeita a invasões e conquistas desde que o homem é homem. Contudo, os povos que a habitavam normalmente se viam subjugados por outros povos com características culturais e física semelhantes a eles.
Antes que os inquietos Europeus sonhassem com a existência da região, o lugar era a terra dos falantes da lingua Khoi-San (Sendo Khoi, um grupo étnico e San outro, mas que falavam línguas muito semelhantes, como, guardadas as devidas proporções um espanhol e um português). Os Khoisan são fisicamente diferentes dos futuros invasores. Eles possuem corpos mais delgados e pele mais clara. Seu modo de vida era nômade, não tinham o habito de criar animais de rebanho e viviam basicamente como caçadores e coletores nômades.
Mas eis que do norte, mais precisamente do que hoje são as regiões do centro da África, na região do Rio Niger, surgem os invasores. Eles são diferentes. São mais robustos, mais escuros. Eles sabem plantar a própria comida, eles sabem adestrar animais para comer depois e o mais importante. Eles tem armas de ferro. Os Bantu, originários do que hoje seria o Camarões e a Nigéria se espalharam por todo o centro e o sul da África numa longa e sucessiva onda de migrações, que provavelmente teve início com o advento da agricultura, por volta de 10000 a 6000 a.C. Conforme atingiam regiões de solo e clima mais propensos à agricultura, como o entorno do Rio Congo e dos grandes lagos africanos, essas populações Bantu cresciam exponencialmente a ponto de fundarem grandes aglomerados populacionais e em alguns casos, grandes civilizações, como a cidade conhecida como Grande Zimbabwe, capital do Grande Reino do Zimbabwe, que existiu por volta de 1250 a 1500 d.C. E cujas ruínas, os colonizadores europeus atribuíram a legiões perdidas de Roma. Esses europeus, não podiam aceitar a idéia de que um deles não estivesse metido em alguma coisa grande. De certo, quando Deus criou o Éden, deve ter pedido conselhos a um Europeu para colocar uma tal árvore maldita no centro do lugar.
A riqueza do Grande Reino do Zimbabwe vinha do comércio, de ouro, de marfim e principalmente de escravos capturados entre os povos da redondeza e vendidos aos árabes na costa leste ou aos europeus, na costa nordeste da África. A queda do grande reino ainda é uma incógnita, mas acredita-se que tenha sido por conta de esgotamento das riquezas que o sustentavam.
Isso forçou os Bantu a migrar novamente. Dessa vez mais para o sul. Eis que eles chegaram a região que seria mais tarde batizada de África do Sul. Expulsaram logo os Khoisan que viviam ali e se instalaram formando dois grandes grupos étnicos: os Xhosa e os Zulu.
Isso ocorreria por volta do século XVI. O que significa que os Europeus já estavam a tempos se lançando ao oceano na busca alucinada pelo caminho sul até as Índias Orientais. Já tinha topado com a América e já conheciam o sul do continente africano. Não que se aventurassem muito por lá, afinal eles morriam de medo do continente. Mas a doença que eles carregavam no peito e que só poderia ser curada pelo ouro era mais forte do que qualquer medo que pudessem ter. O portuga Bartolomeu Dias foi o primeiro a cruzar o Cabo das Tormentas, o ponto mais austral da África. Diz a lenda que esse lugar era tão temido pelos navegadores que só os loucos ou os suicidas tentavam atravessá-lo.
Diz-se também que ele era habitado por um navio fantasma, um navegador aventureiro que se atreveu a desafiá-lo e que pagara um preço alto, a vida e a alma de sua tripulação. O nome do navio dele é Flying Dutchman (O Holândes Voador), figurinha carimbada nas histórias de pirata dos séculos XV ao XVIII, e recentemente do século XXI, nos dois últimos filmes da trilogia Piratas do Caribe, embora o capitão do Dutchman original não fosse retratado como meio cetáceo, meio homem e o nome dele não era Davy Jones, mas Van der Decken. A sina do Dutchman é vagar pelo oceano sem nunca voltar para casa até o dia do Juízo Final.
De qualquer modo os portugueses descobriram um jeito de enganar o Demo, cruzaram o Cabo das Tormentas e como que por mágica resolveram rebatizar o lugar para Cabo da Boa Esperança. Camões contaria essa história depois e imortalizar esses navegadores aventureiros na sua obra prima.
Ok, legal, mas qual a importância disso para a Copa na África? Bom acontece que enquanto os Bantu se assentavam na terra recém conquistada, os Europeus resolveram fazer o mesmo. Os que fizeram primeiro foram os Holandeses. Montaram um posto avançado na região, para parada dos Navios da Companhia Holandesa das Índias Orientais (Chama-se de Índias, no plural, pois o que hoje conhecemos como Índia, não era um único país, mas vários, que os Europeus preferiam chamar de Índias ao invés de seus próprios e complicados nomes originais). Basicamente o lugar servia de porto e principalmente de fornecedor de escravos para a América. Os primeiros a perder a terra nessa história toda foram os Xhosa. Alguns holandeses protestantes, fugindo da perseguição do Rei Mundo (Felipe II da Espanha) acharam legal ir morar no extremo sul do continente africano, afinal não tinha ninguém morando lá, só um bando de negros Xhosa. Eles enxotaram os Xhosa para o interior e fundaram várias cidades coloniais onde a vida ia dura e monótona, até que os britânicos resolveram se instalar ali também e os dois grupos de Afrikaaners, como se chamavam aqueles brancos nascidos na região começaram a se estranhar. Começaram então a guerrear os Boers (Afrikaaners de origens variadas a maioria holandesa) e os descendentes de britânicos que se instalaram ali. E quem saiu perdendo com essa historia? Claro que foram os Bantus.
Acontece que...
No meio do caminho tinha um Zulu... Tinha um Zulu no meio do caminho.
Pois é. Os Zulus, povo guerreiro, não gostava nada daquela história de homens brancos tomarem as terras deles. E como eram maioria (e uma maioria violenta diga-se de passagem) os brancos morriam de medo de se meter a besta com eles.
O mais importante Rei Zulu é Shaka. A história dele é complicada. Filho criado com a mãe, ascendeu ao trono em condições contraditórias, mas com um senso de liderança nato, conduziu seu povo ao desenvolvimento, fundou uma religião organizada e derrotou os britânicos numa das mais fantásticas batalhas do século XIX. Usando facas e escudos contra mosquetes e rifles, e claro uma estratégia superior, Shaka mostrou aos brancos que não seria só por causa das armas que eles dominariam seu povo. Contudo, a história costuma ser contundente. Após um grande rei/rainha, seguem-se governantes medíocres ou indecisos que levam seu povo a ruína. Com os Zulus não foi diferente. Shaka manteve os brancos no gelo por um tempo.
Mas, alguém ai já ouviu alguma vez na história, de um descendente de europeu deixar de fazer o que quer porque tem um nativo no meio? Os Boers mandaram uma delegação para fazer paz com o líder Zulu (Três gerações após Shaka) e pedir ajuda dele para expulsar os britânicos dali. O que fez o chefe Zulu? Talvez ele tivesse ouvido histórias das Américas, ou Montezuma foi falar com o Laibon (xamã africano) deles para não confiar naquelas histórias de homem branco. Seja como for o líder Zulu agiu de maneira surpreendente. Matou toda a delegação e mandou seus soldados fazerem a geral nos assentamentos Boers. Não perdoaram nem as crianças. Só sobrou uma italiana, que montou num cavalo e saiu em disparada para avisar o resto dos homens brancos o que estava por vir. Eles se armaram. Esperaram os Zulus. Para azar deles, começou chover, as armas de fogo não funcionariam. Já estavam resignados quanto a morte. Mas cadê esses Zulus? O dia veio, a pólvora secou e os Zulus apareceram para serem massacrados pelas armas européias. Explicação? Disseram os Zulus que um monstro os impediu de seguir em frente, ficou circulando o acampamento do céu (Disco Voador?! Nãããão!). Depois disseram que alguns de seus destacamentos se perderam retardando o ataque. Seja lá o que for perderam a chance de matar uma porrada de Boers, o que custaria muito caro para as gerações futuras de seu povo. O rei Zulu foi morto pelos próprios súditos e a paz foi celebrada com os Boers... por enquanto.
Vão-se os Zulus, ficam-se os Xhosas...
A briga entre Boers e britânicos era pelo controle das minas de ouro e diamantes, que ainda existem em abundância na África do Sul. E ela se prolongaria por mais de um século, até que no principio do século XX, os lados rivais se unissem para formar a União Sul Africana. E ai começaram de fato os problemas para as populações negras. O governo central resolveu adotar a política segregacionista que já existia nos estados independentes fundados pelos Boers. O famigerado Apartheid. A segregação étnica da África do Sul foi pior do que se pode imaginar. Não era só uma questão de separação entre Brancos e Negros, mas sim uma ação sistemática do estado para por fim a qualquer pretensão dessas populações negras a ter o mínimo de dignidade humana. O regime classificava em três castas, a população, Brancas (Boers e anglófonos), Coloured (Os descendentes dos Khoisan) e Indianos (Descendentes dos Indianos trazidos das Índias durante o domínio Britânico); e por fim os Negros (A grande maioria). Para cada uma dessas "castas" havia leis específicas, sendo a maior parte favorecendo a minoria branca. Para os negros não havia qualquer lei a favor. Eles não eram considerados cidadãos, não tinham direito a saúde, educação ou qualquer outro serviço fornecido pelo Estado. Eram parias, estrangeiros em sua própria terra, personas non grata. Consideremos que o apartheid foi instituído em 1948 e só acabou em 1994. O tempo de uma vida para toda uma população. Gerações perdidas nesse violento e ignóbil regime, que só não pode ser comparado ao Nazismo, porque comparada a ideologia nazista só o Inferno cristão. Mas o Apartheid certamente figurará entre as piores atrocidades que o homem pode cometer contra um semelhante. Que vergonha para seus ancestrais australopitecus.
Contudo, existe luz nessa treva horrenda. A luz de um homem, que lutou pela liberdade, e que paradoxo, de dentro de uma cela onde amargou duas décadas e meia. Que não pode ver seus filhos crescerem, que não pode estar ao lado de sua mulher. Que entrou jovem e saiu velho. E que mesmo assim não se tornou amargo ou insensível. Esse Xhosa, bastião de tudo o que deve ser valorizado na postura de um líder contemporâneo e que é sem dúvida nenhuma o símbolo máximo dessa virada de mesa e de página na história da África do Sul. Mandela não só é um ícone para a África do Sul. Ele é e será lembrado eternamente como o bastião da liberdade para toda a humanidade. Um homem, não um santo ou um deus, que literalmente sacrificou sua vida inteira para que os sul africanos pudessem enfim amar uns aos outros como a si mesmos.
A importância desse evento para a África do Sul é muito mais do que mostrar que o país mudou. Muito mais do que mostrar que o "terceiro mundo" já não é aquela boca do inferno de antigamente. É um símbolo e uma demonstração para o mundo de que não existe, nunca existiu e nem existirá distinção entre seres humanos que justifique a dominação de uns pelos outros e de que nem mesmo ódios ancestrais, podem mudar isso.
Que os exércitos da paz entrem em campo. Defendam seus pavilhões e brinquem de ir a guerra. Invadindo o campo adversário e roubando a glória do oponente. Essa é a guerra boa de se ver.