domingo, 25 de abril de 2010

"Quetzalcoatl"


Olá amigos! Estou feliz que estejam gostando do blog isso me motiva a continuar.
Contudo, antes que os mitólogos, historiadores e amantes da cultura Pré-colombiana me crucifiquem pela frase de efeito que utilizei na postagem anterior, vou me explicar.
Na realidade, o culto a Quetzalcoatl não se estendia até a América do Sul, isso é amplamente discutível, alguns apontam que poderia ter chego até a região em que vivia o povo Arawak (extremo norte do nosso subcontinente), mas isso ainda não é totalmente comprovado. Quando me referi ao Peru, e, portanto, a zona de influência dos povos andinos, estou fazendo referencia a um outro Deus, muito antigo, e venerado naquela região por muito tempo, cuja história se assemelha muito ao do Deus Tolteca. Estou me referindo a Wiracocha, o deus andino que segundo as tradições, teria criado os homens, lhe ensinado a agricultura e depois partido prometendo um dia voltar. Ainda que não sejam considerados o mesmo Deus, os dois guardam essa semelhança e poderiam ser variações de um culto mais ancestral, portanto para que não se deixem mal entendidos. Apesar das semelhanças Wiracocha (De quem falarei numa postagem futura) e Quetzalcoatl são dois deuses de culturas distintas (Como Odin e Zeus por exemplo).

Agora vamos ao que interessa!

"Para nos situarmos"


Como na maioria das religiões pagãs muito afora a origem dos Deuses varia muito de lugar para lugar, região para região de acordo com a amplitude territorial que seu culto se estabelece. No que hoje é o México e parte da Amércia Central (Guatemala e Honduras) não foi diferente. A data em que a região começou a ser ocupada ainda é tema de acalorados debates na academia científica. Mas, seguramente pode se afirmar, que uma das primeiras culturas a se estabelecerem na região foi a dos Olmecas, a base do que passaria muitos anos após ser a cultura identificada como Meso Americana, comumente associada aos derradeiros detentores de suas tradições: Maias e Astecas.
Pretendo num futuro próximo discorrer melhor sobre esses povos e o avanço dessa cultura que para nós chega distorcia e muitas vezes de forma preconceituosa, sempre atrelada a sua forma mais chocante para nossa sociedade, a questão dos sacrifícios humanos e principalmente as grandes pirâmides que restaram de sua civilizações. Hoje, contudo quero lhes apresentar o outro lado dessa cultura, que raramente, por motivos provavelmente óbvios sempre é negligenciada.
Existe um lugar fantástico no México, que poderia seguramente ser considerado a "Jerusalém" dos povos que habitavam a região. O nome desse lugar é Teotihuacan. Trata-se de um centro cerimonial com dezenas de templos menores e três monumentais piramides sendo elas identificadas como Pirâmide do Sol, Pirâmide da Lua e templo de Quetzalcoatl. O povo de Teotihuacan em seu apogeu tinha como divindade principal o culto a Quetzalcoatl, contudo, politeístas eles adoravam muitos outros deuses. Teotihuacan em seus tempos de glória dominou todo a região, hoje inclusive aponta-se que o declínio da civilização Maia Clássica (aproximadamente por volta de 900 a.C a 900 d.C), pode ter sido por conta desse poder crescente da poderosa cultura do Norte, que desequilibrou o delicado poder que existia entre as cidades estado Maias (As principais Calakmul e Tikal), pois recentemente encontrou-se em uma tumba na cidade de Calakmul, um mural em que o filho de um chefe conhecido de Teotihuacan figura entre os líderes da cidade.
Enfim, Teotihuacan detinha um grande poder, mas foi obliterada por volta de 800 d.C. com a chegada de um novo povo vindo do norte, os Toltecas. Esse povo, falante da lingua nahua, provavelmente conquistou a grandiosa cidade e depois fundou uma capital chamada Tula. Contudo, como aconteceu com os "bárbaros germânicos" na Europa, com os mongóis na Ásia ou ainda com os árabes na persia os Toltecas assimilaram muito da cultura "superior" que Teotihuacan deixaram e continuaram seu legado, adorando aquele estranho Deus, que não exigia sacrifícios e provavelmente contribuiram para aumentar ainda mais o panteão de deuses da região. Os Toltecas permaneceram poderosos até a chegada de um novo povo do norte, falante de uma outra língua semelhante, o nahuatl. Estes "novos bárbaros" traziam consigo seus Deuses e tomaram a terra dos Toltecas para fundar mais tarde a Federação dos Astecas. Absorveram então a cultura deixada pelos predecessores e acrescentaram suas próprias crenças, formando o que os espanhóis mais tarde encontrariam como culto da região.

"Os mitos de criação"


Diz-se, que Ometecuhtli (O senhor) e Omecihuatl (a senhora) o principio criador do universo (Pois "eles" eram um único Deus, contudo masculino e feminino ao mesmo tempo), também chamado de Ometéotl; criou quatro deuses que seriam os senhores do mundo. Eram eles: Xipe Totec (O Tezcatlipoca Roxo, senhor do Leste, que nasceu sem pele), Quetzalcoatl (O Tezcatlipoca Branco, senhor do Oeste, que era ruivo e de olhos azuis) Huitzilopochtli (O Tezcatlipoca Azul, senhor do Sul,) e Tezcatlipoca (Negro, senhor do Norte, que nasceu com garras e dentes de Jaguar). Na mitologia Tolteca, Huitzilopochtli era um Deus menor, sendo o Tezcatlipoca e Quetzalcoatl os dois principais deuses de seu panteão. Eles eram irmãos gemeos e eternos rivais. Xipe Totec era o deus da fertilidade e seu ritual de adoração um dos mais violentos do panteão, o extremo oposto de Quetzalcoatl e por isso, provavelmente eles eram representados como lados opostos dos hemisférios.
Todos recebem o nome de Tezcatlipoca, que significa Espelho Enfumaçado, pois Tezcatlipoca é uma espécie de referencia a o poder oniciente e presente dos Deuses. Sua representação normalmente era a de um homem negro, sem um dos pés, que carregava em seu pescoço um espelho negro que poderia ver todos os pensamentos de todas as pessoas. Ele também era o responsável pela admissão dos mortos no Mictlan, o Hades dos povos da Região e por isso era temido por representar também a morte.
Assim que nasceram Os quatro Deuses resolveram criar um mundo onde pudessem governar. Assim eles desceram até o grande oceano que existia e procuraram pelo monstro da terra, uma terrível criatura que vivia submersa no imenso oceano, seu nome era Cipactli. Para atrair a criatura para a superfície Tezcatlipoca ofereceu o próprio pé como isca. Assim que a besta o fisgou eles o puxaram para cima, mataram o monstro e espalharam seus pedaços pelo mundo. Seus vários olhos se tornaram os lagos e seu sangue os rios. Como conseqüência disso, Tezcatlipoca ficou sem o pé esquerdo. Então os deuses criaram primeiros humanos. Os quatro Deuses disseram a eles para terem filhos e povoarem o mundo. Tezcatlipoca então exigiu que a partir daquele dia, os homens deveriam oferecer sacrifícios rituais como retribuição ao que eles fizeram com o monstro Cipacli. Contudo Quetzalcoatl não exigia esses sacrifícios.
Mas faltava uma coisa. O Sol! O mundo era frio e triste e os deuses perceberam que precisavam fazer alguma coisa para mudar essa situação. Huitzilopochtli fez uma fogueira com seu grande poder e Quetzalcoatl a pegou e jogou no céu. Mas o fogo era muito fraco. Tezcatlipoca, irritado com a incompetência dos irmãos absorveu o fogo no céu e se tornou ele mesmo um Sol. Mas era demasiado forte e inclemente e começou a matar todas as criaturas do mundo. Os únicos que sobreviviam eram os Gigantes que habitavam a terra neste período, chamados de Tzocuiliceque e que comiam pinha, que só davam uma espécie de árvore e que não estavam resistindo ao sol inclemente de Tezcatlipoca. Indignado Quetzalcoalt subiu ao céu e com um golpe de bastão derrubou o irmão no oceano. Furioso pelo fracasso, Tezcatlipoca emergiu das águas na forma de um jaguar gigantesco e devorou os pobres gigantes para saciar sua fúria.
Quetzalcoatl então tomou o lugar do irmão e converteu-se no próprio Sol. Ele irradiava uma luz benévola e durante esse período tudo prosperou. Os homens passaram a se reproduzir e a vida se espalhou pelo mundo. Nessa época, os homens se alimentavam apenas de plantas e viviam felizes. Mas, Tezcatlipoca invejoso com o sucesso do irmão subiu aos céus como Jaguar e numa patada derrubou o irmão na terra. Por causa de sua queda brusca, Quetzalcoatl provocou um imenso furacão que varreu todas as criaturas da terra. Os homens só sobreviveram porque se esconderam num bosque cerrado. Os que não conseguiram alcançar o bosque a tempo tiveram que andar encurvados pelo resto das vidas e se tornaram macacos.
Então um outro Deus, Tlaloc, o deus das chuvas assumiu o lugar de Questzalcoatl e garantiu aos homens o alimento que lhes faria prosperar: o milho. Contudo os homens de sua época se tornaram gananciosos e passaram a não mais respeitar os deuses. Quetzalcoatl, furioso ordenou ao Deus do fogo Xiuhthecuhtli, que destruísse os homens, o que o Deus fez convertendo-se num furioso vulcão que expeliu uma grande quantidade de Lava que cobriria o mundo. Arrependidos os homens rogaram aos deuses para que os poupassem. Tocados, os deuses os transformaram em pássaros e só uns poucos conseguiram sobreviver, pois Quetzalcoalt ordenou que o deus do fogo lhes poupasse a vida.
Huitzilopochtli então ordenou que a deusa das águas, também conhecida como Saia de Esmeraldas, Chalchuiuhcueye que se transformasse no quarto sol. A paz a e a prosperidade novamente reinaram no mundo, contudo Tezcatlipoca novamente não estava contente com o sucesso dos outros. Ele transformou a saia de Chalchuiuhcueye de esmeraldas em jades e esperou até que a Deusa passando por cima do oceano contemplasse sua imagem no espelho d' água. Quando ela viu sua linda saia de brilhantes convertida em pedra fosca, desatou a chorar provocando um imenso dilúvio que afogaria todos os seres vivos do mundo. Vendo os homens se afogarem os deuses piedosos os transformaram em peixes. Mas a chuva foi tão forte que o céu não suportou o seu peso e desabou sobre o mundo destruindo tudo. Envergonhados os quatro grandes deuses se reuniram em Teotihuacan para unir suas forças e criaram quatro grandes homens que os ajudaram a levantar o céu novamente colocando-o em seu lugar. Esses quatro grandes homens se tornaram os quatro pontos cardiais e passaram a sustentar o céu. Mas ainda faltavam duas coisas, os novos homens e o novo sol.
Para criar novos homens eles precisavam de matéria prima, mas não encontravam em lugar algum. Então tiveram a idéia de utilizar os ossos dos gigantes que Tezcatlipoca devotou. Contudo esses ossos estavam no Mictlan, a terra dos mortos, e ninguém queria descer até lá. Tezcatlipoca, que tinha livre acesso ao mundo obscuro se recusou a fazê-lo. Huitzilopochtli não achava a tarefa digna de um guerreiro como ele. Xipe Totec que aquela idéia tinha tudo pra dar errado. Só Quetzalcoatl acreditava que poderia dar certo e ele então resolveu descer sozinho. Ele então foi até o senhor dos mortos, o terrível Mictlantecuhtli e implorou para que ele lhe desse um de seus ossos favoritos de gigante. O deus dos Mortos concordou e entregou o osso. Mas quando Quetzalcoatl já ia a meio caminho de volta para o mundo superior o Deus do Mictlan se arrependeu e começou a perseguí-lo exigindo que devolvesse o osso. Como ele se recusava o deus dos mortos começou a mostrar suas terríveis faces (Pois ele era a morte) e assustado Quetzalcoatl deixou o osso cair, partindo-o em dois. Aproveitando o choque que o Deus dos mortos sofreu ao ver seu precioso osso partido, ele pegou uma das metades e transformando-se em vento fugiu para a segurança de seus irmãos. Então moldou a forma do humano na metade do osso e Xipe Totec lhe deu o sangue da vida. E por isso os homens hoje teriam a metade da estatura de um gigante.
Mas ainda faltava o Sol!

Os quatro irmãos reuniram todos os deuses em Teotihuacan e lhe disseram que era necessário criar um sol que prestasse para o mundo. Como eles não conseguiam se entender decidiram que algum outro deus deveria tomar esse lugar e todos deveriam aceitar a decisão sem questionamento dessa vez, pois esse Sol deveria ser eterno.
Então um deus se apresentou, seu nome era Tecuciztecatl, ele era altivo e forte e todos concordaram que deveria ele ser o Sol. Mas perceberam que também a noite deveria existir a luz e por isso abriram mais uma vaga para o papel da Lua. Quetzalcoatl então questionou quem seria a lua, mas ninguém queria esse papel menor. Todos então se voltaram para Nanahualtizin, um deus pequeno, tímido e cheio de chagas no corpo que era fraco e franzino, mas tinha um coração de ouro e por unanimidade ele foi escolhido para ser a lua.
Durante três dias fizeram várias oferendas e os demais deuses prepararam os corpos dos dois para o grande ritual por qual teria de passar. Enfim, chegado o dia acenderam uma imensa fogueira, tão grande que alcançava até o céu. Então Huitzilopochtli ordenou a Tecuciztecatl que entrasse na fogueira para morrer e renascer como o Sol. O deus tentou quatro vezes, mas todas as vezes que chegava perto do fogo ficava com medo e voltava. Os deuses ficaram tensos. Temerosos de que a fogueira apagasse e perdessem aquela grande chance voltaram-se para Nanahualtizin com olhos suplicantes e ele sem pestanejar, disse que se era essa a vontade de seus irmãos que seja feita. E saltou sem pestanejar no fogo. Envergonhado Tecuciztecatl criou coragem e pulou atrás. Passaram-se quatorze dias até que finalmente o Sol e a Lua surgiram da fogueira e emergiram em direção ao céu. Mas ambos eram igualmente luminosos. Quetzalcoatl percebendo que não era apropriado dois sóis e irritado com a covardia de Tecuciztecatl agarrou um coelho e o atirou contra o deus covarde. O impacto da criatura na bola de fogo o fez reduzir de tamanho e intensidade e o coelho ficaria para sempre devastando a face do Deus com buracos. Mas como os dois apesar de estarem no céu não se moveram, Quetzalcoatl, novamente utilizando sua sagacidade convocou os ventos e os fez soprarem de leste a oeste, para que assim o Sol estivesse sempre em movimento. Mas isso não era suficiente. Pois o Sol precisava de energia constante para continuar queimando. Assim os deuses se sacrificaram, um a um para com seu sangue dar energia ao astro. E para que ele continuasse brilhando os homens deveriam fazer o mesmo.

"A Serpente Emplumada"


Quetzalcoatl em nahuatl, significa Serpente Emplumada. Uma criatura mística, que é associada ao poder benéfico das chuvas e dos ventos. Por isso comumente Quetzalcoatl é também associado ao deus do Vento Ehecatl. O culto a serpente emplumada se espalhou por toda a região. Entre os maias ela era conhecida como Kukulkan ou Gucumatz, que significa exatamente a mesma coisa: "serpente emplumada". Acredita-se que o culto de Quetzalcoatl alcançou a península do Yucatan, onde os Maias viviam por conta da expansão de Teotihuacan e depois por conta da expulsão dos governantes de Tula pelos recém chegados falantes da língua nahuatl. Existe um rei Tolteca, que adotou o nome de Topiltizin-Quetzalcoatl e esse rei é considerado o Quetzalcoatl histórico, aquele que segundo as lendas, prometera voltar um dia para reaver seu trono usurpado. Essa lenda, é bastante difundida quando se vai ensinar sobre a conquista da Federação Asteca, pois é comum utilizar a errônea afirmação de que os Astecas consideravam os espanhóis deuses. A princípio, diante da novidade sim, mas isso não durou muito, já que eles não conheciam nada da cultura meso americana e não tinham nem de longe um comportamento digno de um Deus para os povos nativos. Esse Quetzalcoatl histórico moveu-se para o Yucatan e fundou uma cidade Maia chamada Chichen Itzá. Onde hoje pode ser visto a ruína da grande pirâmide dedicada a Serpente Emplumada, que diz-se, durante os solstícios, é possível enxergar ao longo das escadarias, conforme o sol se movimenta no céu, a sombra de uma imensa serpente.

"Porque Quetzalcoatl é diferente"


Pelo mito da criação que narrei acima é possível perceber que o sacrifício do corpo teve um papel fundamental na cultura daqueles povos. Contudo para cultuar Quetzalcoatl os nativos da região não ofereciam sacrifícios, o culto dele era visto de uma outra forma. Quetzalcoatl estava se transformando numa filosofia de vida, muito mais do que uma simples idolatria. O que era exigido de seus adoradores era uma conduta exemplar e o tributo a ser pago ao deus era o da transformação da matéria pela arte e inteligência do homem. Assim, Quetzalcoatl era um fim, um objetivo que o homem deveria buscar para transcender sua dependência da matéria e atingir um nível acima. Pois ele governava o paraíso destinado aos homens que renunciavam aos prazeres materiais e viviam para a espiritualidade, aqueles que transcendiam, que se libertavam das forças destrutivas do homem, algo muito semelhante aos ensinamentos de Buda e porque não Jesus. Contudo quando da chegada dos espanhóis a região, essa forma de filosofia ainda estava engatinhando. Os Astecas era adoradores de Huitzilopochtli, um deus guerreiro que "exigia" sacrifícios quase diariamente. E a sociedade da federação acreditava que isso era sim necessário para a manutenção do quinto sol e sua própria sobrevivência. Contudo, o culto a Quetzalcoatl era mantido, sem sacrifícios, e ele era um Deus adorado e amado ao invés de temido. Na região onde viviam os Zapotecas (Também chamados de "Povo das nuvens" e que segundo cronistas eram os povos mais belos da região) Quetzalcoatl era muito mais adorado. Durante anos os Astecas tentaram dominá-los, contudo os Zapotecas se mantinham firmes e a sua conquista só se deu após a tomada de Tenochtitlan (capital da federação Asteca, atual Cidade do México) pelos espanhóis.

Quetzalcoatl é, portanto, como Athena, Buda ou Jesus, um deus dedicado a inteligência e a transcendência do homem pelo poder da educação, da mente e do amor a vida.


"Nos próximos capítulos"

Inspirado numa conversa de bar com amigos, vou trazer pra vocês um pouco mais do mundo dos mortos segundo várias tradições por ai a fora. Preparem-se!


Fontes

Peregalli, E. A américa que os Europeus Encontraram. - São Paulo - Atual. 1994.

Hallam, E. O livro de Ouro dos Deuses e Deusas: Mais de 130 divindades e lendas da mitologia mundial. - São Paulo - Ediouro. 2002.

http://members.fortunecity.es/kaildoc/tenochtitlan/5soles.htm



quarta-feira, 21 de abril de 2010

À Ela!


Então começamos...

Bem, com alguns anos de atraso resolvi finalmente ceder a corrente de meu tempo e deixar minha marca na história digital. Pretensioso? Talvez, mas como bom históriador sei que qualquer relato, mesmo que de alguém totalmente insuspeito como eu pode ter alguma relevância daqui há... quem sabe 100 anos?

Devo aqui, no início dessa longa postagem (pois sofro do mal de ser megalomaníaco), expressar as devidas honrarias àquelas que foram as responsáveis por meu animo a iniciar essa empreitada, que espero seja duradoura e prazerosa. Minha esposa Paula, que para minha surpresa rendeu-se aos encantos da internet (algo impensável anos atrás) iniciando seu incrívelmente promissor blog de organização A arte de organizar e nossa grande amiga Édina, que também tem um blog fascinante o Maria Pimenta, que estoicamente ao lado de Antônio (Seu marido) aguentam minhas intermináveis esplanações sobre os mistérios da história em nossas divertidas incursões pelos bares de nossa calorosa cidade (Os quais normalmente ajudamos os garçons a fecharem as portas lá para tantas horas da noite). Também não poderia me esquecer de meu amigo e sócio Jessé Suursoo, que sempre me incentiva nas minhas frustradas aventuras no ramo da literatura (um dia quem sabe escrevo algo que nos traga alguma grana). E claro, a meus "amigos e amigas imaginários(as)", Ricardo Dias, Harumi Odagiri e Paulo Koto, a quem conheço há quase 10 anos e nunca os vi pessoalmente. Que os deuses salvem a Internet.

Mas chega de delongas. Vamos ao que interessa, o Blog!

Em primeiro lugar gostaria de explicar o nome. Ateneu, hoje em nossa amada lingua portuguesa é comumente associado a escola. Deveras, é isso mesmo. E a origem desse nome remonta a Roma. No ano 135 d.C. o imperador romano Adriano criou os fundamentos daquilo que daria origem aos centros de saber que hoje conhecemos como escolas, universidades etc. E ele deu o sugestivo nome ao lugar de "Atheneum", que significa nada mais nada menos do que "A casa de Athena". Nesse lugar, os estudiosos poderiam escrever, ler e discutir idéias em público, recenbendo críticas ou elogios e normalmente eram recompensados por isso. Lembra um blog não?

Mas qual é a razão de se escrever esse blog? Bem, como disse, em nossas conversas de botequim, percebi que há sim um real interesse pelo passado, histórico ou mitológico e que nem todos tem paciência ou vontade ou mesmo tempo para buscar. Portanto, coisas muito interessantes que a academia acaba descobrindo se restringe a esse circulo de pesquisadores e o público interessado fica excluído de saber, algo tão importante para nós seres humanos. Minha intenção é tentar trazer um pouco disso que sei e espalhar para o maior número de pessoas, para que assim essas coisas interessantes de nosso passado possam se disseminar aos quatro ventos, alimentando uma conversa mais rica. Afinal, papo cabeça pode sim ser tão interessante quanto discutir futebol, ou muito mais interessante do que discutir a vida de alguém que você nem conhece e nem gostaria de conhecer, mas foi obrigado por força da caixa mágica que habita sua casa e o obriga a prestar tributo todos os dias quando passa por ela.

Assim Pessoal aqui vou eu! Encher a cabecinha de vocês com essas coisas de gente morta e ocupar o tempo de vocês com o passado, para quem sabe despertar em vocês a centelha do reconhecimento de nossas ações no presente.

E para minha primeira postagem, como não poderia deixar de ser, vou prestar um tributo à Ela, provavelmente a mais conhecida, admirada e cultuada deusa grega do mundo antigo, patrona desse blog e de meu interesse pela ciência. Aquela cuja admiração resistiu ao tempo e a perseguição religiosa e que mesmo em tempos de domínio rigoroso do cristianismo, conseguiu inspirar os artistas a enfrentar o perigo da fogueira. E que me enviou um sinal através de uma insuspeita visita a banca de jornal. Como não sou bobo de não atender o chamando dos deuses quando solicitado ai vou eu!


"Athena"

Quando destronou seu pai, Chronos o titã devorador de filhos, Zeus foi informado pelo oráculo, o lugar onde o futuro era revelado, que assim como ocorrera com seu pai, ele também seria destronado por seus filhos. Primeiro viria a jovem de olhos brilhantes cuja inteligência se equivaleria a dele. Depois o jovem que governaria Deuses e Homens. Apavorado, Zeus virou-se para sua primeira esposa, a titã Métis, a mais sábia entre Deuses e homens e elaborou um plano para que aquela tragédia descrita pelo oráculo não recaísse sobre ele. Ele propôs um jogo com a esposa, ela deveria ficar bem pequenina. Obedecendo ao marido a pobre Métis acabou engolida por Zeus, que julgou ai ter posto um fim no seus problemas. Contudo nem os Deuses estão livres dos ditames do destino.
Um dia, padecendo de horríveis dores de cabeça, Zeus procurou um de seus filhos, o Coxo, feio mas valoroso Hefestos, deus dos ferreiros e do fogo, e pediu que ele lhe partisse a cabeça para aliviar aquela dor. A princípio o filho hesitou. Mas como quando Zeus quer algo, Zeus consegue ele cumpriu seu designio. Imediatamente da fenda, saltou uma jovem Deusa completamente vestida e adulta. Portando um elmo de guerra e reluzindo o mundo com seus brilhantes olhos acinzentados que lembravam os de uma coruja. Assim nasceu Athênê, para nós Athena.

O que difere Athena de outras deusas do mundo antigo é sua decisão de manter-se casta. Não por um motivo qualquer, mas com a intenção clara de não pretencer tão somente a esfera feminina da sociedade. Athena é uma personagem ambigua. Ao mesmo tempo em que é a deusa da Guerra Justa, ou seja, daquilo que a guerra serve: levar a paz; o oposto de seu irmão e eterno rival Ares. É também a deusa dos trabalhos elaborados, do saber, da justiça, etc. Ela é admirada tanto por homens quanto por mulheres. E essa ambiguidade é uma metáfora para demonstrar a transformação que a sociedade antiga estava passando. Antes, a divindidade era associada a maternidade e o poder da mulher era muito grande. Contudo, quando os homens passaram a dominar as esferas de poder, os deuses deixaram de ser dinvindades atreladas a fertilidade e passaram a se tornar deuses guerreiros e violentos. Athena é a representação dessa virada de mesa. Os homens a idolatram por ser corajosa e honrada (valores que tinham como os mais altos em sua sociedade) e as mulheres admiravam sua benevolência e competência em tudo o que fazia. Mas por trás disso existia a questão da castidade. Afinal, Athena era casta pois se não o fosse seria apenas uma "mulher comum", que poderia ser possuída por qualquer homem e isso era um sinal de fraqueza. Assim, nota-se que mesmo por trás desse exemplo incrível de feminilidade, que inspirará as mulheres milênios mais tarde a buscar seu lugar de direito, há o estigma do machismo que começa a impor-se sobre as mulheres na antiguidade.

"A queridinha do Papai"

Há um fato curioso na história dessa deusa. Zeus, apesar dos dizeres do oráculo, tem para com Athena o amor incondicional de um pai babão. Tudo o que Athena quiser ela conseguirá do velho pai. Mas não como uma menina mimada e talvez seja aqui um dos exemplos de como o mito ajudava na educação das crianças na antiguidade. Athena era a filha que todo pai gostaria de ter. Era independente, valente, obediente, competente, esforçada, leal e acima de tudo virgem. Qual pai na Terra não gostaria de ter uma filha assim?
Contudo Athena era uma irmã bastante encrenqueira. Ares que o diga. Há diversos relatos na Teogonia e na Iliada em que os dois irmãos se enfrentam, inclusive saem no braço, principalmente quando estão disfarçados no campo de batalha, coisa que gostavam de fazer com frequência. Na Iliada, Athena garante a um herói, Diomedes o poder de ver os deuses em sua real forma no campo de batalha e o ajuda a tirar Ares da luta, desviando a flecha do deus e fazendo com que a do mortal o atinja em cheio na barriga. Hera, a mãe de Ares o leva dali. Furioso o deus vai até Zeus, que se mantém neutro na questão (Athena luta pelos gregos, Ares pelos Troianos) e reclama:

"Pai Zeus, vossa indignação não fará cessar atos tão violentos? Continuaremos, nós deuses, a sofrer tão cruelmente nas mãos uns dos outros quando auxiliamos os homens? Estamos todos em luta porque vós sois pai daquela tola e violenta jovem, cuja mente está sempre voltada para atos culposos. Todos os outros deuses do Olimpo são obedientes e sujeitos a Vós, cada um de nós; mas a ela Vós não ofereceis nenhum freio, nem em palavras nem em ações; ao contrário, ela faz o que bem entende... Incentivou Diomedes, filho de Tideu, a ferir-me, embora eu seja um deus, e só escapei graças a meus velozes pés, ou estaria agora entre as pilhas de mortos".

Como não poderia deixar de ser. Zeus deu um sermão em Ares. Dizendo que era ele que costumava arrumar confusão com os outros deuses e que deveria por-se em seu lugar. Furioso o deus da guerra se curou e voltou ao conflito, com a intenção explicita de se vingar da irmã. Já chegou atirando sua lança contra Athena, que defendeu-se com o aegis, o escudo de seu pai, indestrutível contra tudo e todos; e contra atacou com uma pedrada no pescoço do irmão, proferindo a seguir:
"Tolo, você ainda não aprendeu quão mais poderosa do que você eu consigo ser?"


"Athena Sufragium"

Falar sobre Athena levaria várias e várias páginas. Contudo, sou informado por minha esposa agora que um Blog não deve ser TÃO grande assim. Portanto, terei de restringir meu impulso e encurtar a história. Athena apesar de poderosa e justa era implacável, como deveria se esperar da deusa que representasse a justiça. Nem sempre seus julgamentos podem ser considerados os mais justos. Normalmente, quando versavam sobre um mortal e um Deus, o castigo maior era sempre para o mortal. Medusa, era uma belíssima jovem, que foi seduzida por Poseidon, deus dos mares e tio de Athena, os dois mantinham uma relação de rivalidade, de menor escala, normalmente disputando o patronato das cidades gregas. Afinal os Gregos eram (e segundo um amigo grego) são muito ligados ao mar e por isso o Deus dos Mares era tão temído quanto Athena era amada. O azar de Medusa foi deixar-se seduzir no templo de Athena, o que era um pecado para qualquer mortal. Não se podia nem dar a luz ou morrer no templo de um deus, quanto mais ficar de fricote. O resultado nós já sabemos. A deusa a transformou num monstro e não contente, depois ajudou o herói Perseu a decaptá-la. Em alguns casos a sua implacável justiça não se restringia apenas ao algoz. Como no caso da queda de Troia, quando o herói Ajax invadiu o templo de Athena na cidade e estuprou a princesa Cassandra que estava agarrada a imagem da Deusa. Nenhum grego o impediu e por isso Athena (Muito mais furiosa por terem violado o templo do que a pobre mulher) atendeu as súplicas da princesa e pediu a Posseidon que castigasse todos os gregos que estavam ali. Ajax enlouqueceu e matou toda sua tripulação e os outros heróis ficaram vagando pelo mar mediterrâneo por décadas. Entre eles Ulisses, por quem Athena nutria uma afeição pouco habitual e é o herói da Odisséia. Pois nele ela enxergava suas próprias características. A inteligência e a astúcia para vencer a brutalidade e os perígos.



"Todos temos segredos"

O barato da mitologia é que os Deuses são uma forma de representação dos valores e vícios humanos. Com a austera Athena não poderia ser diferente. Apesar de todas suas qualidades, há um evento pouco esclarecido na mitologia acerca dessa deusa. Ela mesmo sendo virgem, teve um filho. (Qualquer semelhança com outra virgem não é mera coincidência, afinal, a cultura se espalha e se molda de acordo com as situações da sociedade que a recebe.) Erictheon, era o nome do rebento e a história para seu nascimento mais aceita é a seguinte: Hefesto era esposo de Afrodite. O casamento dos dois fora uma piada de mau gosto de Zeus para com a orgulhosa Deusa da Beleza. Forçada a se casar com o mais feio dos deuses. Claro, Afrodite não estava nem um pouco interessada em fidelidade e traía o pobre descaradamente com quem ela bem entendesse. E o principal amante era Ares. Hefesto descobriu, fez uma rede mágica tão fina quanto fios de cabelo e tão resistente quanto aço e esperou que os amantes se entregassem ao sexo para aprisioná-los e depois mostrar a pouca vergonha pra todos os demais seres do Olimpo, a morada dos deuses, que não é o paraíso, para os gregos o paraíso são os Campos Elíseos. Então, arrasado pela vergonha ele foi atrás de Athena, querendo desposá-la, pois devia acreditar que ela não o trairia. Virgem convicta ela resistiu violentamente aos gracejos do deus e o semem dele caiu na terra. Envergonhada, sabe-se lá por que motivo, Athena cobriu a terra e dela nasceu Erictheon. Ela então pegou a criança. Colocou em uma caixa e levou para uma familia de Athenas. Mas disse que ninguém poderia ver o que tinha dentro. Claro que desobedeceram! E como punição ela fez com que os curiosos se matassem. Então levou o filho adotivo para o Parthenon, ("O templo da Virgem" do qual vou falar sobre em postagens futuras) e o criou lá até que se tornasse um jovem forte e desafiasse o rei da cidade, vencendo-o e coroando-se assim o rei de Athenas (Para os gregos Athinai, que significa Cidade de Athena).



Enfim!

UFA!
Espero que não tenha sido demasiado chato ler tudo isso. Tinha muito mais. Contudo, não posso abusar da paciência de vocês.
No próximo post vamos dar um salto nos hemisférios e falar de outra figura importante da mitologia e da história: "Quetzalcoatl, o deus cultuado do México ao Peru"


Fontes
Revista História Viva: Deuses da Mitologia 5: Atena.
Bulfinch,T. O Livro de Ouro da Mitologia. - Ediouro
Victoria, L. A. P. Dicionário Básico de Mitologia - Ediouro