Desculpem pela longa demora na postagem, mas os tempos atribulados de nossa era contemporânea me consumiram deveras nas últimas semanas.
Hoje vou dar uma pequena pausa na mitologia e partir para um novo assunto, a história, atendendo a algumas amigas que me pediram para falar um pouco sobre as soberanas que mudaram a história da nossa civilização. E devo dizer, que muitos vão se surpreender pois não foram poucos os exemplos de mulheres que ao ascender o poder, mudaram a forma que a sociedade enxergava seu papel "secundário". Na realidade, muitas desses mulheres soberanas acabaram se tornando lendas, mitos, que influenciaram toda uma nação e posteriormente os movimentos feministas do século XX.
Então, vamos a elas.
"Onde deusas são cultuadas, mulheres são celebradas"

Acredita-se também, que as primeiras sociedades tribais antes do advento da "civilização" tinham mulheres como líderes supremos, pois elas eram aquelas que sabiam se comunicar com os espíritos e conduzir os demais para o local seguro (novamente o sexto sentido).
Mas o tempo passa. A natureza já não é assim tão assustadora, o homem a dominou e não precisa mais de sexto sentido para se sentir seguro. O problema agora é que tem humanos para todo lado e como já era de se esperar, a "superpopulação" traz conflitos pelos recursos escassos. Nessas condições, o caráter conciliador feminino cede espaço a belicosidade da testosterona e os antes espíritos comunicativos da natureza dão lugar aos violentos deuses guerreiros. Nasce assim a sociedade patriarcal, que vai invariávelmente contaminar grande parte da humanidade ao longo da Terra.
E surgem as cidades e a guerra se torna um negócio mais complicado. Não é mais só invadir a aldeia do outro, tomar o que ele tem e voltar pra casa. Agora existem cidades muradas, armas que matam com muito mais eficiência e indíviduos que se dedicam a tarefas que não envolvem desenvolver músculos para a guerra. Assim, com a mansidão voltando ao homem, volta a mulher a retomar um papel importante na sociedade.
Antes de mais nada, gostaria de esclarecer uma coisa que é muito mal explicada. O título de rainha, no geral, não tem o mesmo peso de um rei. Na realidade, a rainha só governa na ausência de um rei e essa ausência tem de ser breve. É como, guardadas as devidas proporções, o cargo de um Vice Presidente. Quando o presidente morre, o Vice se torna presidente. No caso da rainha isso pode ou não acontecer. Vai depender exclusivamente de sua capacidade política de domar os rivais. Portanto, a velha máxima "não existe reino sem rei" é a mais pura verdade.
Um exemplo claro do que digo vem do Antigo Egito. Não existe termo feminino para Pharaoh, pois um Pharaoh não é somente um título, mas uma condição. Uma rainha que seja considerada digna de ser um Pharaoh tem o mesmo estatus político e social de um homem. Portanto ela não é mais uma rainha do Egito, mas sim um Rei do Egito. E não faltam exemplos.
A primeira que se tem notícias, apesar de ser muito controvérsa é Neitkert. Atribui-se a ela a restauração da piramide de Menkauré (no grego, Miquerinos, a menorzinha das três grandes de Gizé, hoje no Cairo). Ela teria assumido o trono após seu marido, o Pharaoh, ter sido assassinado por conspiradores e acabou reunindo as condições para sagrar-se um Pharaoh., acredita-se que isso tenha ocorrido por volta de 2184 a.C.

Já após a era de ouro egípicia (O reinado de Ramses II, o rei dos reis), uma nova Pharaoh seguindo os passos de Hatchepsut assumiu o trono após a morte de seu marido. O nome dela era Tausert, que significa "A poderosa". Tausert governou por dois anos oficialmente, mas uma vez que Siptah, o filho de seu marido Sethi II (Que não era filho dela por sinal) tinha uma saúde frágil (A análise da múmia indica que ele tinha uma perna atrofiada por conta de Poliomielite) provavelmente fora ela quem governou durante todo o tempo nos bastidores. O sucessor de Tausert usurpou a tumba que ela deve ter mandado construir no vale dos Reis e a múmia da rainha nunca foi encontrada. Algo curioso é que os registros apontam a atuação de um chanceller que foi o grande braço direito de Tausert, uma pessoa que deve ter tido uma importância tremenda no governo da Pharaoh, para ter merecido uma tumba de dignatário no vale dos reis, algo raríssimo.


a cultura egípcia começou a fincar bandeira em Roma e tudo parecia transcorrer como ela desejava. Mas os senadores resolveram matá-lo no senado e a casa caiu para Cleópatra. Aliando-se ao braço direito do antigo amante, o general Marco Antônio, Cleópatra acreditou poder assegurar a independência de seu país. Mas ela encontrou um adversário de peso. Otávio, que tornaria-se o futuro e primeiro imperador de Roma, sob o título de Augusto, que para os romanos era a mesma coisa que Deus.
Mas o que explica então esse poder que as mulheres egípcias adquiriram, que foi somente muito tempo depois disseminado pelo resto do mundo e que em muitos lugares jamais aconteceu? Uma das explicações pode estar na cultura mitológica dos egípicos. Afinal, a dinvindade mais cultuada no Egíto era Hathor (Também identificada como Isis), a deusa da fecundidade, cujo culto era totalmente conduzido por mulheres. A divindade mais respeitada era Maat (aquela cuja pena vai pesar seu coração no pós vida). Isis era a esposa de Osíris e foi ela, a "Grande esposa" que governou o Egito enquanto o filho deles, Hórus, não tinha idade suficiente para assumir o trono. Ou seja, os mitos de mulheres deusas que poderiam governar na ausência de homens, prepavaram terreno para que no plano físico isso fosse aceito com mais facilidade.
"As guerreiras e as bruxas"

Agora vamos para a Bretanha. Tenho uma amiga que se tornou fã de uma certa rainha celta, que durante muito tempo permaneceu no esquecimento, mas cuja lenda foi retomada durante o reinado de outra poderosa rainha, talvez a mais famosa entre elas. O nome dessa infeliz celta era Boudica. Infeliz porque ela se tornou rainha em circunstancias excepcionais e parece que os deuses Celtas viraram as costas para ela e correram. Quando os romanos, lá pelos idos de 60 d.C chegaram a Bretanha (o que hoje é chamado de Inglaterra, Escócia, Irlanda do Norte e País de Gales) o Rei dos Icenos, um povo celta que habitava a região aliou-se a eles para mater seu povo independente. Acontece que durante uma guerra contra povos rivais o rei morreu e os romanos não quiseram nem saber de manter o acordo. Conquistaram os Icenos, açoitaram a rainha Boudica diante de seus súditos e violentaram suas filhas. Depois as expulsaram da sua terra.


Lá pelos anos de 1622, o entreposto português na costa ocidental da África recebeu uma delegação diplomática do povo Ndongo. A frente deles seguia uma mulher, irmã do rei dos Ndongo que seria a interlocutora entre seu povo e o governador português João Correa de Souza . O motivo, os portugueses pararem de capturar escravos ou de recrutar seu povo para capturar escravos na região e, principalmente, que desmontassem a fortaleza que construíram na costa de suas terras. O nome dessa rapariga era Nzinga Mbande. Diz-se que ao chegar ao local da conferência, o governador português não deixou uma cadeira onde ela pudesse se sentar. No lugar colocou um tapete, o que a deixaria em posição desfavorável em relação a ele. Sem pensar duas vezes, Nzinga ordenou que um de seus criados ficasse de quatro sobre o tapete e ela sentando-se sobre ele ficou na mesma altura do governador português durante toda a conferência, demonstrando assim, que eles tratariam com uma igual. João falhou em convencer a mulher com seus argumentos para justificar suas ações, para cada proposta, Nzinga vinha com um desarme. Mas a habilidade diplomática da embaixadora os conduziu a um instável acordo de paz. Para selar seu compromisso Nzinga se converteu ao Cristianismo.
Os portugueses por sua vez não cumpriram o acordo. E o irmão de Nzinga envergonhado se matou. Ela então assumiu o trono como regente de seu filho, que morreu logo depois e assim ela assumiu definitivamente o posto de Rei dos Ndongo, pois recusou terminantemente ser chamada de rainha.
Um novo governador portugues chegou. Nzinga ordenou que o acordo fosse cumprido, mas os portugueses deram de ombros. Então ela foi para a guerra. Os portugueses levaram a melhor e a expulsaram de suas terras. Nzinga levou seu povo para a região de Imbangala, onde para reforçar sua posição, diz-se, adotou os cultos canibalísticos dos povos da região. Não se sabe ao certo se essa história é verdadeira ou se foi espalhada pelos padres portugueses para desqualificar a imagem da rainha. O que acontece é que ela manteve o poder e logo atraiu a atenção dos Holandeses que dominavam o Congo, que ofereceram ajuda para que ela retomasse suas terras em troca de acordos comerciais. Vendo ai uma oportunidade única Nzinga aceitou, derrotou os portugueses mas não conseguiu expulsá-los do território. Os portugueses contra atacaram. Os holandeses tomaram Luana e quando Nzinga estava prestes a expulsar os lusos da terra, eis que nossos patrícios brasileiros vieram em seu socorro comandados por Salvador de Sá, ex-governador do Rio de Janeiro, que lutou contra a invasão holandesa no nordeste e veio ajudar os portugueses a expulsar os holandeses dessa região da África também. Mas Nzinga manteve os territórios conqusitados e os portugueses tiveram de reconhecer sua autoridade. Nzinga comandou os exércitos em cada combate, acredita-se até os sessenta anos.
Durante seu reinado pós guerra, seus maiores esforços eram o de repatriar ex-escravos. Ela tentou reconstruir sua nação, devastada pela longa guerra e todas as tentativas de destroná-la fracassaram. Nzinga morreu aos oitenta anos, tranquilamente. Somente após a morte de Nzinga é que os portugueses conseguiram conquistar o território, que seria chamado de Angola, por um erro. Ngola era o título dos nobres da região. Conta-se também que a rainha tinha um harém inverso, ou seja um harém só de homens e que uma de suas diversões era vê-los brigar pelo direito de dormir com ela por uma noite. Nzinga hoje é a heroina da identidade nacional Angolana. Há ruas em sua homenagem e uma estátua na capital onde todas as noivas vão para tirar fotografias, na esperança de que a Rainha Guerreira conceda força e felicidade a seu casamento.

"Rainhas modernas"
Como falar de Rainhas e não falar das mais famosas delas?

Para que pudesse assegurar o reino, Isabella precisava se casar com alguém. Mas os pretendentes eram difíceis, ou porque ela não queria ou porque o pai não queria. Sobrou Fernando de Aragão, que havia sido o "marido original" pois eles foram prometidos ao casamento quando ambos tinham 3 anos de idade, mas o acordo fora desfeito pelos pais. Acontece que havia um problema espiritual na união. Os avós dos dois eram irmãos e só o papa poderia consentir o casamento. Isabella, religiosa só aceitaria o casamento com o consentimento do Vigário de Roma. Descobrindo o intento, o pai dela tentou impedir o casamento, pois lhe era desfavorável, mas o Papa acabou consentindo e os dois se uniram.
O reinado de Isabella foi o início da ascensão da Espanha como potência mundial. O encontro da América por Colombo deu a nascente nação um impulso inigualável. Contudo, Isabella, religiosa fanática, reforçou a posição da inquisição em suas terras expulsando os judeus e muçulmanos que viviam ali ou convertendo-os a força. Diz-se que inclusive, ela era melhor regente que seu marido e que a colonização da américa se deu basicamente pelo povo de Castile, por isso comumente se diz que o espanhol falado na América é o Castelhano.

E claro, para coroar esse post tão cheio de coroas nada mais justo do que falar sobre as duas maiores e mais famosas rainhas da história. Elizabeth I e Victória da Inglaterra.

Se Elizabeth fincou a bandeira. Victória construiu a casa. Reinou por 64 anos e detinha uma míriade de títulos. Essa mulher era praticamente dona do mundo.

No seu diário ela diz que um dia foi acordada por sua mãe as seis da manhã dizendo que o Arcebispo de Canterbury (Líder da igreja anglicana) precisava vê-la. Ela foi de roupa de dormir mesmo até o encontro do arcebispo na sala de reunião e ele a informou que seu tio, o Rei não estava mais entre eles. E portanto ela era a Rainha da Grã Bretanha.
Como uma mulher sem filhos não poderia governar nesse período trataram logo de arrumar um marido para a jovem.Que viria a ser um alemão, o principe Albert. Foi amor a primeira vista.
Mas nem todos amavam a rainha. Quando estava grávida do primeiro filho ela sofreu um atentado, mas o atirador errou os dois disparos que fez. Ela sofreu outro atentado que igualmente foi frustrado. O casal, teve nove filhos e agora sabe-se que Victoria utilizou-se de anestesia para um dos partos, algo extremamente inusitado para a era em que vivia.
Após 21 anos de casamento feliz, o principe Albert morreu de febre tifóide e isso a devastou completamente. Victoria voltou a se isolar e sua popularidade começou a cair, mas ela foi recuperada no final de seu reinado.
A Grã-Bretanha nesse período já era uma monarquia constitucional como é hoje, contudo a figura da rainha era muito mais importante. Foi durante seu reinado que os britanicos se consolidaram como modelo a ser copiado. Venceram as guerras napoleonicas, colonizaram metade do mundo e expalharam sua própria língua pelos quatro cantos da Terra, e que mais tarde se tornaria a língua franca da Terra, a despeito de Franceses e e Espanhóis.
"Enfim o feminismo"
Com a industrialização e depois com as guerras, as mulheres passaram a retomar seu poder na sociedade, que agora já não poderia mais se sustentar em antigas tradições, pelo menos no mundo ocidental. O feminismo portanto trouxe conceitos da antiguidade para evocar o poder feminino, contudo o erro das feministas do início do movimento, hoje apontado pelas próprias, foi ter tentado igualar-se ao homens em todos os aspectos. Como podemos ver nos exemplos de sucesso das mulheres que alcançaram o poder no passado, esse tipo de enfrentamento normalmente resulta em uma ampla resistência. Mulheres e homens são diferentes, pensam diferente, governam de formas diferentes e isso já era sabido desde o tempo das cavernas. Se mal ou bem, o tempo é que vai julgar. Contudo, vale uma ressalva. Alguém já ouviu falar de alguma "Ivana, a Terrível?"