segunda-feira, 21 de junho de 2010

Malintzin!


Opa! Falei que seria mais rápido desta vez!
Incautos leitores, hoje vou falar sobre uma personagem extremamente controversa da história da humanidade. Uma figura que pela sua importância crucial nos eventos que mudariam o mundo ganhou status de lenda. Contudo as opiniões sobre ela divergem, mesmo no meio acadêmico, que deveria ser, digamos assim "imparcial". Embora seja peça chave do que ajudou a construir os fatos que a envolvem são obscuros, notadamente por sua condição feminina e principalmente pelo desenrolar dos acontecimentos que se seguiriam nos séculos vindouros. Seu nome é considerado um palavrão no México, embora ela seja adorada por tantos outros conterrâneos. Alias, falar em nome para essa criatura chega a ser uma piada de mal gosto. Justo ela, que carregou tantos ao longo da vida. Vou fazer uma brincadeira com vocês. Leiam a postagem, tirem suas conclusões e a condenem ou a absolvam se assim desejarem.
Então vamos contar a história dessa mulher fantástica chamada...

"Era uma vez a Princesa Malinali..."

O que se sabe sobre a infância dela é o que nos foi relatado pelos cronistas espanhóis e o que sobreviveu dos relatos dos povos nativos após a conquista. Ou seja, um relato muito pouco confiável. Ainda assim, é o único que temos e nesse caso, não da para exigir demais. Diz-se que ela nasceu no ano Ce-Malinali (Calendário Asteca, que corresponde a 1496 de nosso calendário cristão). Filha de um nobre que servia ao Império Asteca(Embora alguns historiadores prefiram o termo Federação Asteca) na região de Coatzalcoalcos, na fronteira sul com as terras maias. Eles eram parte da elite do povo Nahua, falantes do Nahuatl, a língua franca do território controlado pelos astecas. A pequena princesinha ganhou esse nome, Malinali, por conta de ter nascido naquele dia e naquele ano. Explico. Os Astecas não nomeavam seus filhos com o nome definitivo assim que nasciam. Quando nascia uma criança, depois de alguns dias, ela era levada a um sacerdote responsável pelo livro dos nomes. Ele fazia cálculos baseados no que tinha a mão, levava em consideração o dia, a hora e o ano do nascimento e dava um nome a criança, que ela carregaria até atingir certa idade, quando ganharia o nome definitivo. Muitas vezes, o nome de "batismo" acabava ficando, o que não foi exatamente o caso de nossa pequena princesa. A pequena princesa teve a educação que as mulheres nobres astecas podiam ter, foi enviada ao Calmecac (A escola de filosofia e religião dos astecas) e lá aprendeu aquilo que as meninas tinham de aprender, ou seja, respeitar o marido, temer os deuses e cuidar da casa. Escrever, ler, aprender a tocar instrumentos ou até mesmo lutar era reservado aos homens. A sociedade asteca não era muito diferente da européia no que tange a direitos femininos no final do século XV e começo do século XVI. Contudo, vê-se que o pai de Malinali se preocupava em dar instrução a sua única filha, o que já era bastante raro. A menina também deveria ter demonstrado uma grande inteligência e desenvoltura, pois essa característica marcante a acompanharia pelo resto da vida.
Tudo ia bem para a pequena princesa, seu destino estava traçado, afinal, quando nascera o pai enterrara seu cordão umbilical ao lado do fogão de sua casa, como era o costume para as meninas (Se fosse menino o cordão umbilical seria enterrado num campo de batalha) para que elas nunca se afastassem do lar. Ela também ganhara uma pequena vassoura e uma roca como primeiro presente, como era o costume. Alias o costume era tudo naquela sociedade. Acontece que o costume não os preparou para o trágico evento que viria a se abater sobre a nobre familia nahua. O pai de Malinali adoeceu terrívelmente. Nenhum curandeiro conseguia curá-lo e por fim, ela ficou orfã. Como era de se esperar, sua mãe logo se casou novamente e não tardou para que seu padastro quisesse ter seus próprios filhos. Para azar de Malinali, nasceu um filho varão e ela passou a ser um empecílio aos desejos do padastro. Afinal, a nobreza era de seu pai e, portanto, tudo pertencia a ela, sua única filha. O resultado não poderia ser mais trágico para a jovem princesa. Entregue ao sacrifício ritual? Impossível, ela era nobre. Um casamento as pressas? Impossível, ela era jovem demais. Restou uma alternativa, que não seria viável, não fosse a proximidade com a fronteira. Malinali foi vendida pela própria mãe aos mercadores escravos maias da região de Tabasco, alguns sacos de milho foram o pagamento. Num dia, ela era uma princesa Asteca. Estava no topo da hierarquia social de sua sociedade, acostumada a olhar o mundo de cima. Agora, ela era uma escrava. Do céu ao inferno, ou no caso dela, do Tlalocan ao Mictlan e um piscar de olhos. E onde estavam os seus para ajudá-la? Onde estava Quetzalcoatl que não impediu aquela crueldade?


"... da escrava imprestável à Auianime Malinche."

A parte mais obscura da vida de nossa ex-princesa Malinali, agora conhecida pelos maias pelo nome de Malinche, começa assim que ela foi vendida até o encontro com os Europeus. Ela foi vendida antes de entrar na puberdade, provavelmente por volta dos 7 a 9 anos. Da para imaginar que a vida para ela perdeu completamente o sentido. Alguém que vivera no luxo entre a nobreza, que tinha tudo o que quisesse comer e vestir, ter de se contentar com trapos sujos, andar descalça, comer o que restasse ou o que lhe dessem. Certamente a menina penou, mas como as crianças se adaptam rápido as circunstancias, ela sobreviveu. Talvez, vocês não saibam, mas o padrão de beleza maia era bastante peculiar. Quando as crianças nasciam, os pais amarravam pranchas de madeira na cabeça dos filhos de modo que o crânio da criança se desenvolvesse alongado, com a testa achatada. Para as meninas, colocava-se uma bola pendurada por um fio a frente dos olhos de modo que elas se tornassem... er... vesgas. Era o que eles consideravam belo. Malinche não tinha essas características, ela era Nahua, ela tinha os traços dos povos do norte. Ela era uma menina feia para os maias. Menina feia e escrava molenga. Seus primeiros donos não gostaram dela e a colocaram de volta ao mercado de escravos para ser novamente vendida. Isso era um problema. Segundo a lei, quando um escravo era vendido duas vezes,   a terceira poderia levá-lo ao sacrifício ritual. Antes disso não. Acontece que o novo comprador tinha outros planos. Levou a jovem menina feia e a tratou muito bem. A alimentou, cuidou dela melhor do que das outras escravas. O motivo era simples. Malinche cresceria, e se tornaria uma Auianime rara naquelas terras, ou seja, uma prostituta exótica. Uma mulher do povo dominante, que seria dominada pelos homens maias. Acontece que por ser inteligênte, educada, Malinche tirou proveito daquela situação. Aprendeu o maia chontal (lingua de seus captores), conseguiu notícias de tudo o que acontecia pelo império, ou seja, era uma mulher informada. Seu destino provavelmente era ser a Auianime de luxo dos maias até que estivesse velha demais para que a quisessem ou que alguém a quisessem demais e a comprasse para si. Mas o destino, bom o destino dela era como uma tempestade caribenha. Quando menos se espera se torna um furacão incontrolável.

Doña Marina encontra Quetzalcoatl.

Um dia os homens da cidade se armaram e foram para a guerra. Não que isso fosse novidade. Era a coisa mais comum do mundo. Ir para a guerra, trazer uns cativos, sacrificá-los nos altares das pirâmides para aplacar a sede de sangue infinita dos deuses. Contudo, quando eles voltaram as mulheres perceberam que algo estava errado. Não havia cativos, os homens estavam massacrados, sujos e muito feridos. O cacique reuniu provisões e ordenou que 20 jovens mulheres escravas fossem reunidas. Malinche estava entre elas. Era de se esperar que em seus corações, essas vinte coitadas estivessem pensando que chegara a hora de enfrentar a faca de obsidiana, rasgando seu ventre e a mão hábil do sacerdote penetrando sua carne para arrancar seu coração ainda pulsante do seio e exibi-lo a multidão extasiada. Quem seriam os vencedores? Astecas? Não, não era assim que costumavam proceder.
Foram então elas encaminhadas junto com a comida para o litoral, onde seus olhos não puderam acreditar no que viam. No grande oceano, flutuavam templos alados (onze ao todo). Por toda a praia, estranhas criaturas, que se pareciam com homens, mas que carregavam estranhas couraças protegendo seus corpos, armas reluzentes que destroçavam a mata ao redor numa fúria incontrolável, cachorros gigantescos (pois para os astecas e maias, cachorros só os pelados, que existiam ali e que só serviam para uma única coisa... comida!) capazes de devorar um homem e finalmente aquela coisa horrenda que parecia um veado gigante, mas que de suas costas erguia uma outra criatura que era metade homem. Que terríveis feras do Mictlan eram aquelas? E, por todos os deuses juntos como FEDIAM!
Os maias deixaram as mulheres lá na praia e correram pro mato. Os espanhóis as arrebanharam e as levaram para um cercado que parecia uma cozinha. Pediram para que elas cuidassem da comida. A idéia de que eram criaturas logo caiu por terra, pois perceberam que eram homens, os homens mais feios que já viram, talvez exceto por aquele com cabelos claros que adorava aquelas bizarras feras gigantes, que só se interessavam em comer grama. Depois o líder deles fez um discurso, montado numa das feras furiosas. E Malinche devia estar prestando bastante atenção, pois aquele só poderia ser Quetzalcoatl, o deus-homem, que prometera voltar do mar oriental para reclamar seu reino no ano Um Junco. Exatamente aquele ano em que estavam.
Passado algum tempo os espanhóis resolveram encontrar outra serventia para as mulheres maias. Mas eles como bons cristãos não poderiam se deitar com pagãs. Então batizaram todas elas e foi ai que Malinche ganhou seu novo nome, o nome cristão de Marina.
Ela devia se destacar das outras escravas maia. Pois os espanhóis deviam achar o padrão de beleza maia tão bizarro quanto os astecas. E certamente, o mulherengo Hernan Cortez cresceu os olhos para cima daquela índia peculiar. Mas não foi com ela que ele ficou aquela noite. Malinche... er... Marina, foi entregue a Puertocarrero, um nobre espanhol (nobre de verdade, com linhagem e tudo).
Foi então que a expedição de Cortez encontrou-se com um novo membro. Um espanhol, cujo navio naufragara anos antes nas costas do Yucatan e que vivera entre os maias. Geronimo de Aguilar aprenderam o Maia Chontal e Cortez viu ali a grande chance de sua vida. A chance de por seu plano em prática. A verdade é que Velasquez, governador de Cuba ordenara a ele para que liderasse uma expedição na costa do continente para localizar náufragos espanhóis para resgatá-los e levá-los de volta a ilha. Mas Cortez tinha outros planos. Com um espanhol que pudesse traduzir o que os índios falavam, ele poderia conquistá-los para a coroa do imperador Carlos e convertê-los a fé cristã, e quem sabe, achar um El dorado da vida. Acontece que Aguilar lhe falou sobre o Império Asteca, sobre as histórias que ouvira da capital destes e isso despertou em Cortez um desejo incontrolável de chegar até lá. Mas havia um problema, Aguilar falava maia chontal e não Nahautl. Mas para os espanhóis, índios eram todos iguais e portanto deveriam falar todos a mesma língua, certo?

Cortes fundou a primeira cidade no continente (Oficialmente), Vera Cruz. Foi aclamado por unanimidade como prefeito de tal empreitada e depois seguiu com seu séquito de uma centena de espanhóis para o norte, até a cidade dos Cempoalas, um tributário dos Astecas. Foram recebidos com surpresa pelos Cempoalas, curiosos com aqueles estranhos seres vindos do leste. O Cacique dos Cempoalas veio ao encontro dos espanhóis e tudo foi uma grande confusão. Eles balançavam incensos na frente dos conquistadores e falavam aquela estranha língua que ninguém entendia. Aguilar alertara o capitão Cortez que não falava aquela língua e os ânimos ficaram tensos, até que uma das escravas se adiantou e traduziu as palavras do Cacique apra Aguilar. Este por sua vez traduziu o que ela falou para Cortez. A escrava em questão era Marina. Que falava Nahuatl e maia.
A sim, o incenso era para suportar o cheiro horrível dos espanhóis....
Não é preciso dizer que logo em seguida, Cortez mandou Puertocarrero de volta a Espanha para avisar da descoberta que fizera. Adivinha quem passaria a dividir sua esteira a partir de então?
Enquanto estavam em Cempoala, uma visita inesperada acelerou a marcha para a capital asteca. Coletores de impostos do Uey Tlatoani (Venerável Porta voz) Motecuhzoma Xocoyotzin vieram buscar os tributos de Cempoala (Na realidade, vieram ver o que eram aqueles homens estranhos vindos do leste e que diziam serem Deuses). Exigiram o de praxe, comida, riqueza e xochimiquis, pessoas para serem sacrificadas aos deuses deles. Cortez percebeu que era sua chance de matar dois coelhos com uma só cajadada. Por meio de Marina, ele convenceu o cacique Cempoala a prender os coletores de impostos. Na calada da noite, ele, Marina e Aguilar foram até os coletores de impostos e ele os libertou, mandando uma mensagem ao Tlatoani. Ele, Quetzalcoatl Cortez, era seu aliado e só estava se certificando o quão pérfido era aquele cacique dos Cempoalas. No dia seguinte quando o cacique descobriu que eles fugiram, Cortez disse a ele que deveria ter sido uma fuga facilitada por espiões e que ele deveria tomar cuidado.
Montezuma mandou muitos presentes a Cortez, muita plumaceria, jarros, finas roupas de algodão e ouro. Obviamente, os espanhóis só deram atenção ao ouro, mas desdenharam do presente na frente do Cacique, dizendo que não seriam comprados por aquele suborno barato. Depois, agradeceram aos Astecas e disseram que eles iriam pessoalmente agradecer ao Tlatoani tão valioso presente. Na realidade Montezuma queria que os espanhóis voltassem para casa com os presentes, mas as peças em ouro só atiçaram ainda mais a doença que os espanhóis tinham. Segundo eles, os espanhóis sofriam de uma doença grave em seus corações, que só poderia ser amenizada com muito ouro.

Acontece que sem Doña Marina seria impossível ir a Tenochtitlan. Nas palavras de Cortez: "Depois de Deus, a conquista do México se deve a Doña Marina". Ela logo aprendeu a falar espanhol e a participação de Aguilar se tornou praticamente desnecessária, embora ele continuasse no séquito de Cortez. Por onde passava, era ela quem fazia as honrarias, era a voz dela que os índios escutavam, e como era o costume era o nome dela que eles consideravam como sendo o interlocutor. Portanto, era a ela quem os índios se dirigiam. Cortez passou a ser conhecido por Malinche, Capitão Malinche ou ainda Malinche Cortez. Doña Marina conseguiu apoio de vários povos descontentes com o domínio Asteca e quando eles chegaram a Tenochtitlan, o improvável grupo de cento e poucos espanhóis agora era acrescido de milhares de aliados índios. Ainda assim, poderiam ter sido esmagados pelos exércitos Mexicas (O povo mais forte da federação asteca).

Os espanhóis ficaram maravilhados com Tenochtitlan. Disseram que não havia no mundo cidade mais bela. Que Londres, Madri ou Lisboa não se comparavam. Que nem mesmo Constantinopla (Atual Istambul) chegava a seus pés. Marina também deve ter ficado deslumbrada. O encontro com o Uey Tlatoani, foi cheio de tensão. Sem coragem de olhar para o Imperador, Marina usando todo o seu nahuatl nobre, cheio de reverencias e pomposidade apresentou o conquistador Cortez à Montezuma. Como era de praxe, Montezuma, considerado um semi deus não demonstrou coisa alguma. Cortez, como bom espanhol se aproximou para abraçar o Tlatoani e uma comoção generalizada irrompeu o local. Marina logo o interpelou, dizendo que o Tlatoani não poderia ser olhado diretamente, quanto mais tocado.
Acontece que isso surtiu um efeito devastador na postura de Montezuma. O Tlatoani, acostumado com tudo ali, escrito e certo, achou que aquela postura do espanhol só poderia ser de um Deus. Aquele jeito arrogante e desleixado (Que poderia muito bem ter sido confundido com o de um bárbaro também!) só poderia ser coisa dos deuses. Montezuma foi um tolo, e Malinche foi a língua que o iludiu. Dai para os espanhóis tomarem a cidade, o poder e o império, foi um pulo.

"La Malinche, La Lengua y La Chingada!"

 Ok. Ela foi a intérprete da conquista, mas e dai?
Bem, os próprios espanhóis confessam que a conquista do México seria impossível sem a ajuda de Doña Marina. Malinche, que depois seria chamada pelos próprios índios de Malintzin (O sufixo Tzin em nahuatl significa nobreza, mas o nome em si não faz sentido, portanto Malintzin é muito mais uma forma de desprezo do que de respeito), teve um papel muito mais relevante do que simplesmente traduzir. Os espanhóis, apesar da menção honrosa a seu papel pouco falam dela, contudo nos momentos decisivos, como na fuga durante a Noche Triste (Quando uma cidade enfurecida caçou e matou metade dos espanhóis pelas ruas de Tenochtitlan) em que todos se alegraram por vê-la salva e junto deles, ou por ser progenitora dos primeiros cristãos ilustres da Nova Hispania (Ela teve dois filhos com Cortez, um menino e uma menina). A maioria dos relatos contudo vem dos índios. Nos códices (Livros meso americanos que se dobravam em forma de leques) que sobreviveram ao tempo e a inquisição e portanto de veracidade duvidosa pois os espanhóis jamais deixariam passar algo que difamasse pessoa tão importante para a causa deles, ela é retratada com a verdadeira figura da conquista. Não há um único desenho em que ela não esteja na postura ativa, de convencer, instruir e até lutar pela causa dos espanhóis. Cortez sempre aprece a seu lado, apenas observando. Se levarmos isso em consideração, Malintzin não apenas traduziu as palavras, mas também o costume, as crenças, a forma como os índios guerreavam, as armas e as táticas de guerra. Ela delatou a tentativa de massacre na cidade de Cholula,quando os índios pretendiam matar os espanhóis, mas que foram surpreendidos por estes, graças a astúcia desta menina de apenas 19 anos. Em alguns códices Malintzin aparece segurando um escudo e instando os homens a luta. Para os índios ela é a responsável pelo colapso de sua civilização e por isso foi profundamente odiada.
Seu nome La Malinche, é hoje um palavrão no México. Na tentativa de reafirmar a identidade nacional os mexicanos do século XIX, desmistificaram as figuras de Malinche e Cortez, transformando-os em figuras centrais do colonialismo. Hoje, no México, quando se quer referir-se pejorativamente a alguém que prefere coisas estrangeiras a nacionais, se chama de Malinchista. Os mexicanos se referem a Malintzin como "La Chingada".
Contudo, no século XX, as coisas começaram a mudar para Malinche. As feministas começaram a olhar para ela, não como um instrumento de colonização, mas como uma mulher que enfrentou os ditames de sua sociedade, e valendo-se de sua inteligência galgou posições na hierarquia e tornou-se um dos principais personagens da história do México. Os historiadores por outro lado, olham para ela como a progenitora das nações latino americanas. Aquela que, assim como Pocachontas no norte e as índias Tupi-Guaranis no sul, aceitaram a chegada do homem branco como uma mudança inquestionável e que para evitar que seu povo fosse sumariamente massacrado, utilizaram-se de subterfúgios para convencê-los a aliar-se ou render-se ao inevitável. Muito se discute como teria sido a conquista do México caso ela não tivesse existido. Mais violenta e demorada com certeza. Ou teriam os índios vencido essa guerra? Com sua intervenção, Malintzin conseguiu, mesmo que por pouco tempo, impedir a completa destruição da cultura de seu povo? Ou simplesmente acelerou um processo de degradação que poderia durar anos ou simplesmente nunca acontecer? Alias... seu povo. Um termo ambíguo e extremamente perigoso, se levarmos em conta que foi seu povo que a vendeu como escrava quando criança, que a obrigou a se prostituir quando adolescente e que a deu como espólio de guerra aos espanhóis. Difícil acreditar que depois de tudo isso ela ainda tivesse um sentimento de fraternidade para com "seu povo", embora suas ações, levem a crer, hoje, que sim.

Há um fato curioso após a conquista. Diz-se que tempos depois, em sua casa nas terras que Cortez lhe dera ela recebeu a visita de uma velha e um jovem índio. Ninguém menos que sua mãe e o irmão! Alguém se arrisca a dizer o que ela fez? Não? Diz-se que os acolheu muito bem. Surpreendente não?

Apesar do longo e duradouro "romance" entre Malintzin e Cortez, os dois nunca se "casaram" propriamente. Motivo, Cortez já era casado com uma espanhola, parente do governador Velasquez. A mulher morreu em circunstâncias suspeitas pouco antes de Cortez ser obrigado a voltar a Espanha pelo Imperador, que não gostava nada da popularidade que ele tinha na América. Cortez levou o filho de Malintzin com ele, Martin Cortez, deixando apenas a menina com ela. Malintzin nunca mais veria o filho. Depois disso, ela se casou com um espanhol, mas a felicidade dela não durou muito. Não se sabe como, nem onde, nem porque, mas acredita-se que Malintzin morreu aos 25 anos.


Malinali, Malinche, Marina ou Malintzin...

Agora é com vocês. O que acham dessa personagem fantástica? Traidora ou salvadora? Pesam contra ela o fato de ter sido responsável direta pela queda de um dos mais gloriosos impérios que o Ocidente já viu. Mas também a  construção de toda uma nova civilização. Seja como for, essa índia inteligente e pró-ativa, jamais será esquecida.

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Uma Ode a origem.

Meu amigos sabem, eu não sou fã de futebol.
Nunca fui. Na verdade eu padeci, em minha infância e adolescência, do mal de ser um verdadeiro perna de pau. Sempre fui o último a ser escolhido na hora de tirar o time. E sempre percebi o descontentamento de meus amigos ao me ter jogando no time deles.
Por essas e outras esse vírus patriótico que afeta os brasileiros a cada quatro anos não costuma me atingir. De qualquer maneira, não poderia deixar passar a oportunidade de aproveitar a interessante mistura desse caldeirão de culturas que é a Copa do Mundo.
E como não poderia deixar de ser, por essa copa já ser especial só pelo lugar em que está ocorrendo, resolvi dedicar essa quinta postagem a cultura da África do Sul, essa terra tão cheia de contrastes e peculiaridades.

As árvores somos...

Todos, que estiveram na escola nos últimos 60 anos, provavelmente já ouviram aquela velha historinha manjada de que o homem veio do macaco e que esse macaco habitava a África. Portanto, o homem é Africano. Bom, vou começar desmentindo essa idéia estapafúrdia. 

COMO ASSIM!?

Em primeiro lugar, não viemos de macaco nenhum. O que entendemos por macacos (chipanzés, gorilas, orangotangos, macacos pregos e micos) são parentes nossos, mas não nossos antepassados. Portanto, todos nós, homens e macacos viemos de um ancestral comum, que em algum lugar lá a milhões de anos atrás por algum motivo que ainda não descobrimos, mas que certamente foi alguma catástrofe climática que nosso terno planetinha assassino resolveu provocar, se separou em diferentes famílias de primatas que daria origem a toda essa família de simpáticos seres sociais da qual nós e eles fazemos parte.
Ok, mas o que isso tem a ver com Copa? África do Sul? Bom, os mais antigos sítios arqueológicos do mundo estão lá. Foram encontrados alguns australopitecus (Essa simpática figura ai do lado), indícios de que nossos ancestrais já vagavam por grande parte do sul do continente. 
Levaria cerca de 1.000.000 (um milhão de anos) do surgimento do primeiro primata da linhagem evolutiva do gênero Homo (Quando nossos ancestrais se separaram dos ancestrais do macaco) até o surgimento de nossa espécie, o Homo sapiens sapiens. Mas claro, isso para quem acredita no senhor Darwin, o que obviamente, é meu caso =).
Depois que nossos ancestrais começaram a ficar mais altos e independentes, eles se espalharam pelo mundo. Foram parar em tudo que é canto. Os que ficaram na mãe África foram se adaptando as condições climáticas que o lugar os impunha. Aos que ficaram nas regiões abaixo do Saara, e portanto sem contato intenso com aqueles que habitavam os continente vizinhos (Europa e Ásia) acabaram por desenvolver uma pele negra, adaptada ao calor e as condições do Sol na região. Mas esse isolamento não foi de maneira nenhuma por tempo suficiente para que uma nova espécie de homem se desenvolvesse. Tão pouco uma nova raça. São apenas pequenas variações. Mas que no futuro farão toda a diferença entre eles e os outros.

Uma pedaço de chão disputado a tapas!

A região que hoje conhecemos por África do Sul sempre esteve sujeita a invasões e conquistas desde que o homem é homem. Contudo, os povos que a habitavam normalmente se viam subjugados por outros povos com características culturais e física semelhantes a eles.
Antes que os inquietos Europeus sonhassem com a existência da região, o lugar era a terra dos falantes da lingua Khoi-San (Sendo Khoi, um grupo étnico e San outro, mas que falavam línguas muito semelhantes, como, guardadas as devidas proporções um espanhol e um português). Os Khoisan são fisicamente diferentes dos futuros invasores. Eles possuem corpos mais delgados e pele mais clara. Seu modo de vida era nômade, não tinham o habito de criar animais de rebanho e viviam basicamente como caçadores e coletores nômades.

Mas eis que do norte, mais precisamente do que hoje são as regiões do centro da África, na região do Rio Niger, surgem os invasores. Eles são diferentes. São mais robustos, mais escuros. Eles sabem plantar a própria comida, eles sabem adestrar animais para comer depois e o mais importante. Eles tem armas de ferro. Os Bantu, originários do que hoje seria o Camarões e a Nigéria se espalharam por todo o centro e o sul da África numa longa e sucessiva onda de migrações, que provavelmente teve início com o advento da agricultura, por volta de 10000 a 6000 a.C. Conforme atingiam regiões de solo e clima mais propensos à agricultura, como o entorno do Rio Congo e dos grandes lagos africanos, essas populações Bantu cresciam exponencialmente a ponto de fundarem grandes aglomerados populacionais e em alguns casos, grandes civilizações, como a cidade conhecida como Grande Zimbabwe, capital do Grande Reino do Zimbabwe, que existiu por volta de 1250 a 1500 d.C. E cujas ruínas, os colonizadores europeus atribuíram a legiões perdidas de Roma. Esses europeus, não podiam aceitar a idéia de que um deles não estivesse metido em alguma coisa grande. De certo, quando Deus criou o Éden, deve ter pedido conselhos a um Europeu para colocar uma tal árvore maldita no centro do lugar.
A riqueza do Grande Reino do Zimbabwe vinha do comércio, de ouro, de marfim e principalmente de escravos capturados entre os povos da redondeza e vendidos aos árabes na costa leste ou aos europeus, na costa nordeste da África. A queda do grande reino ainda é uma incógnita, mas acredita-se que tenha sido por conta de esgotamento das riquezas que o sustentavam.
Isso forçou os Bantu a migrar novamente. Dessa vez mais para o sul. Eis que eles chegaram a região que seria mais tarde batizada de África do Sul. Expulsaram logo os Khoisan que viviam ali e se instalaram formando dois grandes grupos étnicos: os Xhosa e os Zulu.
Isso ocorreria por volta do século XVI. O que significa que os Europeus já estavam a tempos se lançando ao oceano na busca alucinada pelo caminho sul até as Índias Orientais. Já tinha topado com a América e já conheciam o sul do continente africano. Não que se aventurassem muito por lá, afinal eles morriam de medo do continente. Mas a doença que eles carregavam no peito e que só poderia ser curada pelo ouro era mais forte do que qualquer medo que pudessem ter. O portuga Bartolomeu Dias foi o primeiro a cruzar o Cabo das Tormentas, o ponto mais austral da África. Diz a lenda que esse lugar era tão temido pelos navegadores que só os loucos ou os suicidas tentavam atravessá-lo. 
Diz-se também que ele era habitado por um navio fantasma, um navegador aventureiro que se atreveu a desafiá-lo e que pagara um preço alto, a vida e a alma de sua tripulação. O nome do navio dele é Flying Dutchman (O Holândes Voador), figurinha carimbada nas histórias de pirata dos séculos XV ao XVIII, e recentemente do século XXI, nos dois últimos filmes da trilogia Piratas do Caribe, embora o capitão do Dutchman original não fosse retratado como meio cetáceo, meio homem e o nome dele não era Davy Jones, mas Van der Decken. A sina do Dutchman é vagar pelo oceano sem nunca voltar para casa até o dia do Juízo Final.
De qualquer modo os portugueses descobriram um jeito de enganar o Demo, cruzaram o Cabo das Tormentas e como que por mágica resolveram rebatizar o lugar para Cabo da Boa Esperança. Camões contaria essa história depois e imortalizar esses navegadores aventureiros na sua obra prima.
Ok, legal, mas qual a importância disso para a Copa na África? Bom acontece que enquanto os Bantu se assentavam na terra recém conquistada, os Europeus resolveram fazer o mesmo. Os que fizeram primeiro foram os Holandeses. Montaram um posto avançado na região, para parada dos Navios da Companhia Holandesa das Índias Orientais (Chama-se de Índias, no plural, pois o que hoje conhecemos como Índia, não era um único país, mas vários, que os Europeus preferiam chamar de Índias ao invés de seus próprios e complicados nomes originais). Basicamente o lugar servia de porto e principalmente de fornecedor de escravos para a América. Os primeiros a perder a terra nessa história toda foram os Xhosa. Alguns holandeses protestantes, fugindo da perseguição do Rei Mundo (Felipe II da Espanha) acharam legal ir morar no extremo sul do continente africano, afinal não tinha ninguém morando lá, só um bando de negros Xhosa. Eles enxotaram os Xhosa para o interior e fundaram várias cidades coloniais onde a vida ia dura e monótona, até que os britânicos resolveram se instalar ali também e os dois grupos de Afrikaaners, como se chamavam aqueles brancos nascidos na região começaram a se estranhar. Começaram então a guerrear os Boers (Afrikaaners de origens variadas a maioria holandesa) e os descendentes de britânicos que se instalaram ali. E quem saiu perdendo com essa historia? Claro que foram os Bantus.
Acontece que...

No meio do caminho tinha um Zulu... Tinha um Zulu no meio do caminho.

Pois é. Os Zulus, povo guerreiro, não gostava nada daquela história de homens brancos tomarem as terras deles. E como eram maioria (e uma maioria violenta diga-se de passagem) os brancos morriam de medo de se meter a besta com eles. 
O mais importante Rei Zulu é Shaka. A história dele é complicada. Filho criado com a mãe, ascendeu ao trono em condições contraditórias, mas com um senso de liderança nato, conduziu seu povo ao desenvolvimento, fundou uma religião organizada e derrotou os britânicos numa das mais fantásticas batalhas do século XIX. Usando facas e escudos contra mosquetes e rifles, e claro uma estratégia superior, Shaka mostrou aos brancos que não seria só por causa das armas que eles dominariam seu povo. Contudo, a história costuma ser contundente. Após um grande rei/rainha, seguem-se governantes medíocres ou indecisos que levam seu povo a ruína. Com os Zulus não foi diferente. Shaka manteve os brancos no gelo por um tempo.
Mas, alguém ai já ouviu alguma vez na história, de um descendente de europeu deixar de fazer o que quer porque tem um nativo no meio? Os Boers mandaram uma delegação para fazer paz com o líder Zulu (Três gerações após Shaka) e pedir ajuda dele para expulsar os britânicos dali. O que fez o chefe Zulu? Talvez ele tivesse ouvido histórias das Américas, ou Montezuma foi falar com o Laibon (xamã africano) deles para não confiar naquelas histórias de homem branco. Seja como for o líder Zulu agiu de maneira surpreendente. Matou toda a delegação e mandou seus soldados fazerem a geral nos assentamentos Boers. Não perdoaram nem as crianças. Só sobrou uma italiana, que montou num cavalo e saiu em disparada para avisar o resto dos homens brancos o que estava por vir. Eles se armaram. Esperaram os Zulus. Para azar deles, começou chover, as armas de fogo não funcionariam. Já estavam resignados quanto a morte. Mas cadê esses Zulus? O dia veio, a pólvora secou e os Zulus apareceram para serem massacrados pelas armas européias. Explicação? Disseram os Zulus que um monstro os impediu de seguir em frente, ficou circulando o acampamento do céu (Disco Voador?! Nãããão!). Depois disseram que alguns de seus destacamentos se perderam retardando o ataque. Seja lá o que for perderam a chance de matar uma porrada de Boers, o que custaria muito caro para as gerações futuras de seu povo. O rei Zulu foi morto pelos próprios súditos e a paz foi celebrada com os Boers... por enquanto.

Vão-se os Zulus, ficam-se os Xhosas...

A briga entre Boers e britânicos era pelo controle das minas de ouro e diamantes, que ainda existem em abundância na África do Sul. E ela se prolongaria por mais de um século, até que no principio do século XX, os lados rivais se unissem para formar a União Sul Africana. E ai começaram de fato os problemas para as populações negras. O governo central resolveu adotar a política segregacionista que já existia nos estados independentes fundados pelos Boers. O famigerado Apartheid. A segregação étnica da África do Sul foi pior do que se pode imaginar. Não era só uma questão de separação entre Brancos e Negros, mas sim uma ação sistemática do estado para por fim a qualquer pretensão dessas populações negras a ter o mínimo de dignidade humana. O regime classificava em três castas, a população, Brancas (Boers e anglófonos), Coloured (Os descendentes dos Khoisan) e Indianos (Descendentes dos Indianos trazidos das Índias durante o domínio Britânico); e por fim os Negros (A grande maioria). Para cada uma dessas "castas" havia leis específicas, sendo a maior parte favorecendo a minoria branca. Para os negros não havia qualquer lei a favor. Eles não eram considerados cidadãos, não tinham direito a saúde, educação ou qualquer outro serviço fornecido pelo Estado. Eram parias, estrangeiros em sua própria terra, personas non grata. Consideremos que o apartheid foi instituído em 1948 e só acabou em 1994. O tempo de uma vida para toda uma população. Gerações perdidas nesse violento e ignóbil regime, que só não pode ser comparado ao Nazismo, porque comparada a ideologia nazista só o Inferno cristão. Mas o Apartheid certamente figurará entre as piores atrocidades que o  homem pode cometer contra um semelhante. Que vergonha para seus ancestrais australopitecus.
Contudo, existe luz nessa treva horrenda. A luz de um homem, que lutou pela liberdade, e que paradoxo, de dentro de uma cela onde amargou duas décadas e meia. Que não pode ver seus filhos crescerem, que não pode estar ao lado de sua mulher. Que entrou jovem e saiu velho. E que mesmo assim não se tornou amargo ou insensível. Esse Xhosa, bastião de tudo o que deve ser valorizado na postura de um líder contemporâneo e que é sem dúvida nenhuma o símbolo máximo dessa virada de mesa e de página na história da África do Sul. Mandela não só é um ícone para a África do Sul. Ele é e será lembrado eternamente como o bastião da liberdade para toda a humanidade. Um homem, não um santo ou um deus, que literalmente sacrificou sua vida inteira para que os sul africanos pudessem enfim amar uns aos outros como a si mesmos.

A importância desse evento para a África do Sul é muito mais do que mostrar que o país mudou. Muito mais do que mostrar que o "terceiro mundo" já não é aquela boca do inferno de antigamente. É um símbolo e uma demonstração para o mundo de que não existe, nunca existiu e nem existirá distinção entre seres humanos que justifique a dominação de uns pelos outros e de que nem mesmo ódios ancestrais, podem mudar isso.
Que os exércitos da paz entrem em campo. Defendam seus pavilhões e brinquem de ir a guerra. Invadindo o campo adversário e roubando a glória do oponente. Essa é a guerra boa de se ver. 
Viva a diversidade de culturas!
Viva a África do Sul!